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Era uma vez um país que pariu Mateus, mas não os embalou

Que história vão contar desses tempos? O que dirão do nosso presente, no futuro? A narrativa que prevalecerá será a da pilha de corpos, sendo enterrados em valas comuns porque não há mais tempo, espaço, vazão, para escoar tantas vidas perdidas? Ou começarão, como nos contos infantis: “era uma vez um país… Não. Era uma vez um presidente, que por se pensar rei, se colocou acima de todos e de toda a dor que existia naquela terra, para mirar num futuro que nem ele bem sabia qual era, porque futuro não haveria. Era uma vez um presidente que por querer destruir o passado, apagar das narrativas o rival, destroçou o presente, e roubou a perspectiva de sua gente de ser feliz.

Não. Era uma vez um presidente, que por não ser feliz, destruiu a alegria de sua gente, proibiu o povo de se divertir e se expressar pela arte. E como se houvesse clamado aos céus para que baixasse sobre o povo um véu negro da infelicidade, viveu uma noite escura, em que todos tiveram de ir para casa e, de lá, olhar por gretas e frestas o seu país derreter nas mãos de um tirano.

Ou, era uma vez um país que tomado pelo ódio elegeu um tirano, só de raiva. E como a raiva é a mãe do ódio, este sentimento se espalhou por todas as camadas, provocando atritos, mortes e abandono. Era uma vez um país que deu as costas para tudo de bom que havia vivido e abraçou o ressentimento como principal instrumento, para ir às urnas. Era uma vez um país que cassou a palavra e liberou as armas, a velocidade, a impunidade. Era uma vez um país que ateou fogo às suas próprias vestes e deixou torrar as sementes que um dia alimentariam os seus filhos. Era uma vez um país que optou por liberar venenos que contaminaram os seus rios.

Era uma vez um país que matou os seus jovens, porque eram pretos e se chamavam Mateus. Era uma vez um país que disse aos seus: quem pariu Mateus que os embalem e, de uns, fez brancos, violentos e preconceituosos, enquanto com outros, foi truculento, e os levou, sob a pressão de coturnos, para uma quina de escadas. Ali, pensando estarem à salvo para pisar-lhe o pescoço, odiaram cada pedaço do seu corpo. Enquanto isto, Mateus, aos prantos, só queria dizer que tinha pai, que tinha trabalho, que tinha família. Mas não tinha voz.

Um dia a história vai contar que os Mateus da periferia, se escaparam da Covid-19, não escapariam dos chutes, das balas, da violência. Um dia a história vai ter que separar os corpos que tombaram pela doença, dos que vergaram sob tiros dos fuzis de códigos raspados, por ordem de um presidente que tinha dedos apontados como armas para a população. Sob sua mira estava um país e sua história a ser contada. Quem se habilita?


Denise Assis, Jornalista.

Fonte: https://www.brasil247.com