Ao priorizar os próprios interesses e postergar a votação das medidas de ajuste fiscal, os parlamentares viram as costas às necessidades urgentes do Brasil. É verdade que as medidas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são insuficientes para alcançar o equilíbrio desejável das contas públicas e resgatar a credibilidade do governo. Mas isso não significa que não sejam necessárias. É preciso que o Congresso aprove logo o pacote, a tempo de que ele surta efeito já no Orçamento de 2025. É desejável até que aprimore as medidas anunciadas, de modo a impor mais rigor ao controle de gastos. Do contrário, o Legislativo se tornará tão responsável quanto o Executivo pela incúria fiscal que alimenta a inflação, os juros e mina o crescimento da economia.
Haddad anunciou o plano de controle de despesas no fim de novembro. Por ser insuficiente, o conjunto de medidas foi logo alvo de críticas e agravou a crise de confiança perante o mercado financeiro. Diante da situação, o Congresso tinha duas opções cabíveis. A mais adequada seria assumir o protagonismo e aprovar a Proposta de Emenda à Constituição dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ), que implanta medidas estruturais capazes de promover o equilíbrio das contas públicas.
A segunda alternativa, menos atraente, é aprovar o pacote anunciado por Haddad. O que fizeram deputados e senadores? Decidiram chantagear o governo para tentar garantir a liberação de emendas parlamentares, travadas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O risco é não aprovarem medida alguma nos poucos dias que faltam até o recesso parlamentar. Se nem as tímidas medidas da equipe econômica tiverem efeito no ano que vem, dólar, inflação e juros continuarão a subir. Até ontem havia nos corredores do Senado quem prometesse atrasar até a votação da reforma tributária. Teria sido uma irresponsabilidade. Felizmente a votação foi marcada para hoje na Comissão de Constituição e Justiça.
Os parlamentares estão contrariados com os critérios de transparência estabelecidos pelo Supremo para liberar o pagamento de emendas. Em obediência à Constituição, o STF passou a exigir a identificação do nome do parlamentar responsável pelo gasto, informação essencial para vigilância contra casos de corrupção e outras irregularidades. Também impôs a apresentação prévia de plano de trabalho e aprovação do governo para “emendas Pix”, que chegavam ao caixa de municípios e estados sem nem indicar o destino. Difícil achar argumento sério contra essas decisões.
A estratégia dos parlamentares é centrar as baterias contra o Executivo, na expectativa de obter alguma flexibilização. Após negociação com as lideranças do Congresso, o governo editou ontem uma portaria com a intenção de acelerar o pagamento de diferentes tipos de emendas — das “Pix” aos restos a pagar do extinto orçamento secreto. Ainda é incerto se o conteúdo conciliará as exigências do Supremo e as demandas dos parlamentares. O certo é que, com o presidente Lula hospitalizado e o prazo cada vez mais curto, o Congresso deveria parar de olhar para o próprio umbigo. O preço da negligência será pago por todo o Brasil.
Editorial do Jornal O Globo de 11.12.2024
Fonte: https://oglobo.globo.com/