Amanhã os venezuelanos vão às urnas escolher seu presidente. A eleição representa a primeira oportunidade real em décadas para resgatar uma democracia sufocada por 25 anos de populismo autoritário e tentativas fracassadas de golpes de Estado.
Nos anos 1960 e 1970, enquanto muitos países latino-americanos amargavam ditaduras militares, a Venezuela viveu um longo período de estabilidade democrática. Em 1958, os três principais partidos do país, a Ação Democrática (social-democrata), o Copei (democrata cristão) e a União Republicana Democrática (social-liberal), firmaram um pacto de estabilidade democrática pelo qual se comprometiam a reconhecer o resultado das eleições e se alternar no poder. O acordo tentava evitar que o país retornasse à ditadura militar que o governou de 1948 a 1958. O pacto cívico e republicano, firmado na cidade de Punto Fijo, permitiu à Venezuela viver 30 anos de estabilidade, com alternância de poder entre sociais-democratas e democratas cristãos que lembrava as democracias europeias.
Mas, enquanto Brasil, Argentina, Uruguai e Chile resgatavam a sua democracia nos anos 1980 e 1990, a Venezuela entrava numa crise duradoura. Depois de dois golpes de Estado fracassados em 1992 e de um presidente impedido em 1993, em 1998 o país elegeu como presidente o coronel Hugo Chávez, líder de um dos golpes militares de 1992.
Chávez implementou um projeto ambicioso de conquista do Estado, com a proposição de uma nova Constituição, o controle da Suprema Corte e a cooptação das lideranças militares, em defesa de um projeto de “socialismo do século XXI” que chamou de “bolivariano”, em homenagem ao libertador das Américas Simón Bolívar. Em 2002, a oposição tentou um golpe de Estado contra Chávez, rapidamente revertido por um movimento popular com respaldo militar. O golpe serviu de justificativa para o aprofundamento da “revolução bolivariana”.
Nicolás Maduro, que herdou o comando do país com a morte de Chávez em 2013, carecia do carisma, da habilidade política e do senso de estratégia do antecessor. Em meio a uma grave crise econômica, ele endureceu ainda mais o regime, criando todo tipo de dificuldade para a imprensa independente, redesenhando os distritos eleitorais para garantir a vitória dos bolivarianos e perseguindo os dissidentes. Embora ainda realize eleições periódicas, a Venezuela é hoje apenas sombra de uma democracia.
Em 2018, Maduro foi reeleito num pleito amplamente contestado pela oposição e pela comunidade internacional. A Assembleia Nacional, controlada pela oposição, declarou o presidente da Assembleia, Juan Guaidó, como presidente interino do país. União Europeia, Estados Unidos e Organização dos Estados Americanos reconheceram Guaidó como presidente da Venezuela. China, Rússia, Turquia e Cuba respaldaram Maduro. Em abril de 2019, Guaidó e o líder opositor Leopoldo López tentaram instigar militares numa base aérea a dar um golpe de Estado contra Maduro.
As eleições de amanhã representam uma oportunidade valiosa para os cidadãos venezuelanos interromperem a degradação promovida tanto pelos bolivarianos quanto pelas respostas muitas vezes autoritárias da oposição.
Pela primeira vez, a oposição tem chances reais de vencer, e Maduro vem sendo pressionado a aceitar a derrota se ela acontecer. A pressão, desta vez, não vem apenas de União Europeia e Estados Unidos, mas das principais lideranças de esquerda da América do Sul. O presidente Lula, antigo aliado de Chávez e Maduro, disse que “Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora”. Outro líder da esquerda sul-americana, o ex-presidente da Argentina Alberto Fernández disse que “se [Maduro] for derrotado, o que deve fazer é aceitar”. O presidente do Chile, Gabriel Boric, pediu eleições “transparentes, competitivas e sujeitas à observação internacional”.
A Venezuela — que uma vez evitou a trajetória das ditaduras militares da América Latina graças ao pacto de Punto Fijo — agora enfrenta nova oportunidade para romper o ciclo de degradação democrática. O mundo observa com esperança e apreensão, esperando que o país consiga retomar o caminho da democracia.
Pablo Ortellado, Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP
Fonte: https://oglobo.globo.com/