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Duplo ataque institucional

Duplo ataque institucional

O Executivo, no governo passado, disparava contra os outros poderes da República. O alvo era principalmente o Judiciário. Agora quem está alvejando as instituições é o Congresso. A PEC aprovada no Senado era parte da agenda de Bolsonaro de ataque ao Supremo Tribunal Federal (STF). Foi apoiada ontem pelos bolsonaristas, claro, mas também por parlamentares da base. O mais vistoso exemplo foi o senador Jaques Wagner, líder do governo. Muitos senadores da base nem compareceram. Por outro lado, o Executivo é atacado em projetos como o da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O Congresso está tomando cada vez mais para si uma prerrogativa que é exclusiva do Poder Executivo: a execução orçamentária. Se a LDO sair como quer o relator, não apenas aumentará o valor das emendas parlamentares impositivas, como o cronograma de liberação será decidido pelo Congresso. Isso é uma aberração. Mais uma. Outra é exigir que o governo dê verbas de investimento para engordar o Fundo Eleitoral, já excessivamente alto.

O deputado Danilo Forte ( União-CE) disse que introduziria mais esse engessamento porque do contrário o Congresso “fica muito à mercê do governo de plantão”. É preciso entender a função de cada poder para que a democracia funcione. É o governo de plantão que executa o Orçamento. Ele é aprovado pelo Congresso, uma de suas mais importantes prerrogativas, mas isso não significa que a cada tramitação de uma peça orçamentária o Congresso possa abocanhar mais uma parcela dos recursos públicos.

As emendas individuais e as das bancadas estaduais já são impositivas. O relator aumentou o valor delas em 23%, indo para R$ 37,5 bilhões. Há ainda as emendas de comissão temática, que podem pular de R$ 6,8 bilhões para R$ 11 bilhões e que o relator quer também tornar impositivas. Além disso, o deputado queria criar outra modalidade de emendas. Está claro que o objetivo é compensar o fim do vergonhoso orçamento secreto.

Não há nada errado em que uma parte do orçamento seja distribuído aos parlamentares para que eles os destinem aos seus redutos, com transparência e controle. O que não é normal é o volume cada vez maior, e a maneira autoritária com a qual o parlamento se apossa do Orçamento da União. Isso impede que o governo realize os seus projetos de investimento e as políticas públicas. A excessiva pulverização de recursos para atender a interesses locais, impede que haja uma política nacional eficiente.

O governo sofre nesse momento uma forte queda de arrecadação. Há vários motivos para isso, na opinião de economistas que acompanham as contas públicas. Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryot Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente, lista alguns fatores: o uso do crédito tributário para abater o pagamento do IRPJ e CSLL ,a partir de benefícios concedidos anteriormente, a redução do preço das commodities, a queda da inflação. A redução dos preços, com os IGPs negativos, é boa notícia, mas tem esse efeito colateral.

O economista Robson Gonçalves, professor de MBAs da FGV, explica que uma das causas da redução nas receitas do governo é que o crescimento foi puxado pelo setor de serviços prestados às famílias, que não é fonte importante de arrecadação.

O ministro Fernando Haddad tem tentado recompor a arrecadação com projetos para fechar ralos tributários. Isso é importante, mas os dois economistas acham que o governo deveria também trabalhar para reduzir despesas, tanto com propostas como a reforma administrativa, quanto com projetos de eficiência de gastos.

Frustração de receita acontece e precisa ser superada com corte nas despesas e eficiência na gestão de recursos. Ocorre que, num momento como esse, enfrentar um rolo compressor do Congresso por mais despesas e maior poder ao parlamento leva o problema a outro patamar. Deixe de ser só fiscal e passa a ser institucional.

Na PEC aprovada ontem no Senado impondo regras ao STF, normalmente definidas em estatuto do tribunal, o que há é mais do que uma tentativa de melhorar o funcionamento do Supremo. É uma intervenção em outro poder.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) que votou contra, disse que havia na PEC questões já decididas pelo Supremo, como a limitação do tempo de pedido de vista, e que, portanto, ela era inócua. O grande problema é o sentido da PEC. Ela nasceu em berço bolsonarismo e acabou aprovada no governo petista. A democracia permanece vulnerável.

Miriam Leitão, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/