Devemos ao iluminismo a construção de um discurso universal, baseado na lógica e na razão. Seus ideais inspiraram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa, em 1789, bem como a Declaração da Independência dos Estados Unidos, em 1776. O princípio de que todos os homens nascem iguais e tem direitos iguais, independentemente da cor de sua pele, de seu sexo e de sua religião, voltaria a ser reafirmado na Declaração Dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948.
A democracia, até hoje o melhor sistema de governo criado pela humanidade, é filha legítima desses avanços civilizatórios. Mas a franquia do voto para todos -pobres, analfabetos, mulheres ou negros- só foi conquistada com muita luta e tendo como pilar o conceito de “cada cabeça um voto”. Ou seja, o voto do pobre vale o mesmo que o voto do rico, assim como o voto do homem vale o mesmo que o voto da mulher, o do religioso o mesmo do ateu e, assim, sucessivamente.
A busca do bem comum, por sua vez, sempre orientou a ação das forças progressistas e foi por aí que a sociedade avançou. Toda vez em que as diferenças foram acentuadas em detrimento do discurso universal de igualdade houve retrocesso. Não se nega a existência de diferenças e da diversidade, mas elas não podem agir como elemento corrosivo daquilo que conforma uma nação: um destino comum, construído ao longo de sua história.
A emergência de movimentos identitários em meio ao fenômeno da fragmentação das classes sociais faz acender o sinal amarelo sobre o risco da desconstrução da nação e da própria democracia liberal. Autor dos livros “As Sinhás pretas da Bahia” e “Relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária”, o antropólogo e historiador Antônio Risério tem sido incansável no combate ao identitarismo. Segundo ele, a diversidade vem se transformando em ideologia, no sentido de uma visão falsa e distorcida da sociedade. É dele o conceito de “ditadura diversitária”.
Em recente artigo, Risério denunciou que o princípio de “cada cabeça um voto” está ameaçado pela adoção – na representação política – de cotas raciais ou de gênero. A conformação do Parlamento, por exemplo, não se daria pelo voto igualitário e sim de forma censitária. Se as mulheres, por exemplo, são tanto por cento da sociedade, teriam a mesma proporção nas casas legislativas. A regra demográfica valeria também para as raças e “povos originários” – a nova modalidade de se chamar os indígenas.
O Brasil não chegou à situação do Chile que, na recente eleição de sua Constituinte, para defender uma maior participação das mulheres, definiu que elas teriam 50% das cadeiras do Parlamento. Realizadas as eleições, deu-se o inusitado. As mulheres tiveram mais de 50% dos votos, e onze parlamentares eleitas para elaborar e aprovar a nova Constituição do país perderam suas cadeiras para assegurar a paridade entre homens e mulheres.
Ainda não chegamos a tanto, mas estamos nos esforçando. A cota para mulheres foi instituída nas candidaturas, por meio da obrigação dos partidos de reservar 30% para o registro de candidatas. Com o aval do presidente TSE, ministro Roberto Barroso, a presidente do Podemos, deputada Renata Abreu, quer que a reserva para as mulheres não seja apenas na lista das candidaturas, mas nas cadeiras do Parlamento.
Hubert Alquéres - Engenheiro cível, presidente do Conselho Estadual de Educação (SP), membro da Academia Paulista de Educação e vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro.
Fonte: https://www.metropoles.com