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Dinheiro move o mundo e o desenvolvimento

Dinheiro move o mundo e o desenvolvimento

A chave para o desenvolvimento econômico e para acabar com a pobreza é o investimento. Um país alcança a prosperidade investindo em quatro prioridades. A mais importante é investir nas pessoas, por meio da qualidade na educação e na saúde. A seguinte é a infraestrutura, como eletricidade, água potável, redes digitais e transporte público. A terceira é o capital natural, proteger a natureza. A quarta é o investimento empresarial. A chave é o financiamento: mobilizar recursos para investir na escala e na velocidade necessárias.

Em princípio, o mundo deveria operar como um sistema interconectado. Os países ricos, com altos níveis de educação, saúde, infraestrutura e capital empresarial deveriam fornecer amplo financiamento para os pobres, que precisam urgentemente incrementar seu capital de infraestrutura, empresarial, humano e natural. O dinheiro deveria fluir dos países ricos para os pobres. À medida que os países emergentes ficassem mais ricos, os lucros e os juros fluiriam de volta para os países ricos como retorno pelos seus investimentos.

A metade mais pobre do mundo ouve da metade mais rica: reduza emissões de carbono, garanta saúde universal, educação e acesso a serviços digitais; proteja florestas tropicais e muito mais. E precisam fazer tudo isso com pouco crédito que vence em 5 anos a juros de 10%

É uma proposição em que todos saem ganhando. Tanto os países ricos quanto os pobres se beneficiam. Os países pobres ficam mais ricos; os países ricos ganham retornos maiores do que se estivessem investindo nas próprias economias.

Estranhamente, as finanças internacionais não funcionam dessa maneira. Os países ricos investem principalmente em economias ricas. Os recursos chegam aos países pobres a conta-gotas e não são suficientes para que saiam da pobreza. A metade mais pobre do mundo (países de rendas baixa e média-baixa) produz atualmente cerca de US$ 10 trilhões por ano, enquanto a metade mais rica do mundo (países de rendas alta e média-alta) produz cerca de US$ 90 trilhões. O financiamento da metade mais rica para a mais pobre deveria girar em torno, talvez, a US$ 2 trilhões a 3 trilhões por ano. Na realidade, é apenas pequena fração disso.

O problema é que investir em países mais pobres parece muito arriscado. Isso é verdade se olharmos para o curto prazo. Suponha que o governo de um país de baixa renda queira captar empréstimos para financiar a educação pública. Os retornos econômicos da educação são muito altos, mas precisam de 20 a 30 anos para se materializarem, pois as crianças de hoje levarão de 12 a 16 anos de escolaridade para depois entrarem no mercado de trabalho. Os empréstimos, entretanto, em geral vencem em apenas cinco anos e são feitos em dólares americanos, não na moeda nacional.

Suponha que o país capte um empréstimo de US$ 2 bilhões hoje, com vencimento em cinco anos. Não haveria problema se, em cinco anos, o governo pudesse refinanciar os US$ 2 bilhões com mais um empréstimo de cinco anos. Com cinco empréstimos de refinanciamento, cada um de cinco anos, o pagamento da dívida é adiado por 30 anos, tempo depois do qual a economia terá crescido o suficiente para pagar a dívida sem necessidade de outro empréstimo.

No entanto, em algum momento ao longo do caminho, o país provavelmente terá dificuldades para refinanciar a dívida. Talvez uma pandemia, uma crise bancária em Wall Street ou uma incerteza eleitoral. Quando o país tentar refinanciar os US$ 2 bilhões, se deparará com as portas do mercado financeiro fechadas. Sem dólares disponíveis, ele irá parar no pronto-socorro Fundo Monetário Internacional (FMI).

O que acontece a seguir não é nada agradável de se ver. O governo corta gastos públicos, provoca agitação social e depara-se com longas negociações com credores estrangeiros. O país mergulha em uma profunda crise financeira, econômica e social.

Sabendo disso com antecedência, agências avaliadoras de risco crédito, como Moody’s e S&P Global, atribuem aos países uma classificação de crédito baixa, de investimento especulativo. E os países mais pobres não conseguem captar empréstimos de longo prazo.

Além disso, os países pobres pagam taxas de juros muito altas. Enquanto o governo dos Estados Unidos paga menos de 4% ao ano em empréstimos de 30 anos, o governo de um país pobre, em geral, paga mais de 10% anuais em empréstimos de cinco anos.

Por sua vez, o FMI aconselha os governos dos países mais pobres a não captarem muitos empréstimos. Diz: para evitar uma futura crise da dívida, é melhor abrir mão da educação (ou da eletricidade, ou da água potável, ou das estradas pavimentadas). É um conselho trágico! Isso resulta em uma armadilha de pobreza, em vez de em uma fuga da pobreza.

A situação ficou intolerável. A metade mais pobre do mundo ouve o seguinte da metade mais rica: reduza as emissões de carbono de seu sistema de energia; garanta saúde universal, educação e acesso a serviços digitais; proteja suas florestas tropicais; garanta água potável e saneamento; e muito mais. No entanto, eles precisam, de alguma forma, fazer tudo isso dispondo apenas de um punhado de empréstimos com juros de 10% e vencimento em cinco anos!

O problema não está nos objetivos globais. Eles estão ao nosso alcance; mas apenas se os fluxos de investimento forem altos o suficiente. O problema é a falta de solidariedade global. As nações mais pobres precisam de empréstimos de 30 anos a 4%, não de empréstimos de cinco anos a mais de 10%, e precisam em volume muito maior.

Em termos mais simples, os países mais pobres estão exigindo o fim do apartheid financeiro mundial.

Existem duas maneiras principais de fazer isso. A primeira forma é aumentar em cerca de cinco vezes o financiamento oferecido pelo Banco Mundial e pelos bancos regionais de desenvolvimento (como o Banco Africano de Desenvolvimento). Esses bancos podem captar empréstimos de 30 anos a cerca de 4% ao ano e repassá-los aos países mais pobres nessas condições favoráveis. O volume de operações desses bancos, contudo, é muito pequeno. Para que expandam as operações, os países do G-20 (incluindo EUA, China e os da União Europeia) precisam injetar muito mais capital nesses bancos multilaterais.

A segunda maneira é consertar o sistema de classificação de crédito, o aconselhamento do FMI sobre dívidas e os sistemas de gestão financeira dos países captadores. O sistema precisa ser reorientado para o desenvolvimento sustentável de longo prazo. Se os países mais pobres puderem captar empréstimos de 30 anos, e não de cinco anos, eles não estarão vulneráveis às crises financeiras nesse meio-tempo. Com o tipo certo de estratégia de empréstimos de longo prazo, respaldado por classificações de crédito mais precisas e um melhor aconselhamento do FMI, os países mais pobres terão acesso a fluxos muito mais altos, em condições muito mais favoráveis.

Os principais países do mundo terão quatro encontros sobre finanças internacionais neste ano: em Paris, em junho; em Déli, em setembro; na Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro; e em Dubai, em novembro. Se os grandes países trabalharem juntos, podem solucionar isso. Esse é o verdadeiro trabalho deles, e não travar guerras sem fim, destrutivas e desastrosas. (Tradução de Sabino Ahumada)


Jeffrey Sachs é diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Columbia University, e presidente da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Fonte: https://valor.globo.com/