Conhecido por concentrar 12% da água doce do mundo, incluindo dois dos maiores aquíferos do planeta (Guarani e Alter do Chão), o Brasil começa a enfrentar escassez crônica de água onde antes ela era abundante. O principal motivo é o desmatamento.
Quando chove, o solo sob as árvores funciona como uma esponja. “Cria-se uma gigantesca caixa- d’água debaixo das florestas”, escreveu em artigo recente no jornal O Estado de S. Paulo o economista Cláudio de Moura Castro. “Essa caixa vaza, lentamente, abastecendo os lençóis freáticos. Em algum lugar, esses lençóis viram nascentes que, ao longo do ano, fluem para os rios.” Sem as árvores, “a água da chuva escorre célere, pois o terreno pelado não a absorve”. As nascentes e lençóis freáticos secam aos poucos.
De 1985 a 2023, segundo levantamento do projeto MapBiomas, a superfície de água doce no Brasil encolheu 30,8%. Algo como 6 milhões de hectares em espelho d’água, equivalentes à área de cinco cidades como São Paulo, desapareceram. Já há casos de desentendimento pela falta de água, segundo disse Marcos Rosa, coordenador do MapBiomas, ao podcast O Assunto, do g1.
No distrito de Junco, em Juazeiro, na Bahia, produtores de frutas irrigam as plantações numa região alta, e a água que chega para mais de 300 pequenos agricultores já não é suficiente para suas necessidades. Na Amazônia, onde rios são fonte de sustento e meio de transporte, as populações ribeirinhas têm necessitado de mais apoio para receber água e comida.
A água que chega ao Pantanal vem de chuvas na cabeceira de rios do Semiárido, que aos poucos inundam a região plana. A cada ano a inundação tem sido menor, diz Rosa. O Rio Paraguai, em Mato Grosso do Sul, costumava subir 4 ou 5 metros no período da cheia. Agora, passa pouco de 1 metro.
A seca tem favorecido a disseminação das chamas, a maior parte delas resultado de ação humana. Desde o início do ano, segundo Rosa, foram detectados mais de 12 mil focos de incêndio no Pantanal, que se propagam com facilidade na vegetação ressecada. Houve crescimento de 31% em comparação com o mesmo período do ano passado, o pior resultado obtido desde 1998, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a rastrear o fogo na região.
A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, já perdeu 27,5% de sua vegetação original. No Cerrado, onde estão as nascentes de muitos rios, a destruição já chegou a 53,4%. Como resultado, tem chovido menos no Brasil Central, uma grave ameaça para a produtividade do agronegócio.
Está em jogo com a crise da água não só a agricultura, mas também o abastecimento das cidades. O desmatamento está concentrado em apenas 0,96% das 7 milhões de propriedades rurais brasileiras. É, portanto, um problema que já deveria ter sido resolvido. É preciso haver consciência em Brasília da necessidade de preservar e plantar novas árvores para que, mesmo diante das mudanças climáticas, o Brasil possa continuar a desfrutar a abundância de água que sempre o distinguiu.
Editorial do Jornal O Globo de 30.07.2024
Fonte: https://oglobo.globo.com/