Analisar a economia chinesa é reconhecidamente muito difícil. Há grande opacidade nas informações, que são manipuladas e até censuradas pelas autoridades. E os valores e as crenças, confucionistas, são muito diferentes das do Ocidente, como aponta Keyu Jin no livro “The New China Playbook”, que traz algumas reflexões aqui apresentadas. Ela cita, por exemplo, que 93% dos chineses valorizam mais a segurança do que a liberdade, e 95% têm confiança no governo. Os indivíduos tomam decisões coletivamente e com um olhar intergeracional.
O modelo econômico chinês baseado em uma potente ação estatal é único em sua capacidade de coordenação, e produziu muitas transformações. Em quatro décadas, o PIB per capita saltou de US$ 380 para US$ 12,7 mil (2022, segundo o FMI). Formou-se uma grande classe média e o setor privado responde por 60% do PIB.
Recentemente, discute-se a possibilidade de a China manter um ritmo acelerado de crescimento de modo a se tornar um país rico — a renda per capita dos EUA está em US$ 76,3 mil. A julgar pela experiência mundial, a resposta seria “não”. A produtividade na China é uma fração da dos EUA. Houve ganhos robustos até 2008, na esteira de reformas liberalizantes que reduziram os graves problemas de má alocação de recursos, e houve avanços tecnológicos.
Como resultado, trabalhadores se deslocaram do campo para as cidades e do setor público para o privado. A entrada na OMC, a partir de 2002, produziu ganhos adicionais. Desde a última década, porém, houve retrocessos. As políticas governamentais após a crise global de 2008-09 pioraram a alocação de recursos e os equívocos na pandemia cobraram seu preço. Enquanto países ricos têm instituições mais sólidas, de modo a produzir maiores ganhos de produtividade, de forma sustentada, a China peca em elementos centrais para o desenvolvimento dos países, como na construção do Estado de Direito, da governança e do direito de propriedade.
Independentemente da experiência mundial — afinal o vigor da China muitas vezes surpreende os analistas —, o fato é que dificuldades internas estão ficando mais evidentes. A sociedade está cada vez mais complexa e sintonizada com um ambiente social e jurídico que protege direitos legítimos, o que desafia o modelo de decisão de cima para baixo, na visão de que o governo sabe o que é melhor para seus cidadãos.
As novas gerações, nascidas no período da política de um filho, têm maior nível educacional e revelam mentes mais abertas e mais conscientes, ainda que conectadas às suas tradições — as democracias ocidentais são vistas criticamente por não promoverem adequadamente a igualdade de oportunidades.
Ao mesmo tempo, a maior propensão das novas gerações a gastar e o envelhecimento populacional tendem a reduzir a elevada taxa de poupança das famílias, trazendo mais desafios.
Almeja-se um novo estágio de desenvolvimento, por meio de inovação e avanço tecnológico, com busca por tempestiva autossuficiência, o que pode se inviabilizar, pois a prosperidade e o domínio de tecnologias passam por interconexões globais. E como haver mais inovação, que se nutre da livre troca de ideias e experiências, sem liberdades individuais respeitadas?
Como ter avanço do empreendedorismo com tantas limitações ao setor privado, como burocracias e barreiras à entrada? Os maiores empreendimentos privados são, em sua maioria, joint ventures com empresas estatais, algo que cresceu nas últimas décadas. E o ambiente regulatório está mais duro do que no passado.
Enquanto a inserção no comércio mundial foi um estímulo à eficiência produtiva, o crescimento do mercado doméstico tende a perpetuar ineficiências em um modelo de dirigismo estatal e com menor concorrência.
Há muitas lições para o Brasil. Antes de se defender a ação estatal aqui, é necessário avaliar sua capacidade de estimular o crescimento. Assistimos a mais sinecuras no sistema judiciário, à sanha crescente do Legislativo por mais recursos e ao poder de grupos organizados para influenciar as políticas públicas, em detrimento do bem comum. Enquanto isso, as fraquezas institucionais prejudicam o ambiente de negócios e a produtividade.
Ocidente e Oriente não compartilham os mesmos valores, mas há mudanças em curso nas sociedades, que anseiam por um futuro melhor, cada uma com suas prioridades. Na China, nas nossas comunidades e em Gaza.