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Dar o exemplo

Dar o exemplo

Na recente reunião do G20, o presidente Lula apresentou três eixos para o mundo: desenvolvimento sustentável, reforma das instituições de governança global e inclusão social com combate à desigualdade. Na semana seguinte, na ONU, reafirmou a necessidade desse esforço internacional. Graças à sua história pessoal, às características do Brasil e ao vazio de outras lideranças, nesses nove meses de governo Lula se afirmou como o líder mundial na luta contra a desigualdade social. Essa liderança será consolidada quando, além do discurso, ele mostrar que é capaz de conduzir o país na direção do que defende para o planeta.

Mas, quando ouvem o discurso contra a desigualdade, os demais presidentes olham para Lula sabendo que somos campeões em concentração de renda, nosso IDH está na 87ª posição, que esse quadro social não mudou ao longo das últimas décadas. Têm conhecimento de que a última edição do Estudo Internacional de Progresso em Leitura (Pirls) mostra os alunos brasileiros no 4º ano com média equiparada à pior pontuação entre todos os países. Sabem que essa péssima média esconde a tragédia da desigualdade conforme a classe social da criança. Eles são informados de que sucessivos governos das últimas décadas não tentaram corrigir essa realidade; e, por experiência histórica em seus países, sabem que a educação de base com qualidade para todos é o caminho para superar a pobreza e a desigualdade.

“O presidente precisa mostrar que a desigualdade social é fruto da desigualdade escolar”

Para consolidar sua liderança, Lula precisa convencer o Brasil de que a desigualdade social é produto da desigualdade escolar, e de que a distribuição de renda passa por educação de qualidade igual para todos. O Bolsa Família reduz a penúria e tira o Brasil do mapa da fome, mas é uma solução sem impacto estrutural sobre a concentração de renda, como pode ser observado nos quase 25 anos desde sua adoção inicial no Brasil. Basta governo insensível ou inflação para trazer a fome e a penúria de volta. Só com educação de base com qualidade para todos — o morador da periferia em escola de máxima qualidade equivalente ao morador dos condomínios — será possível dispor de estrutura social distributiva.

O presidente trouxe o Brasil de volta ao cenário mundial, mas seu carisma não é suficiente para manter sua liderança. Precisa não apenas defender boas causas, mas também inspirar o mundo com boas práticas. Precisa ser aplaudido pelo discurso e respeitado pelo exemplo: iniciar a implantação de estratégia para a construção de um sistema nacional de educação de base com qualidade e equidade, independentemente da renda e do endereço. Ele não terá tempo para fazer essa revolução em todo o país, mas pode mostrar que está executando, por cidades, a estratégia que levará o país a contar, dentro de alguns anos, com um Sistema Nacional de Educação de Base que atenda igualmente a todos os brasileiros. Nos três anos que faltam de seu mandato, ele pode implantar esse sistema nacional em até 500 pequenas cidades.

O mundo verá que, além de denunciar a desigualdade, ele executa política pública que encorpa seu discurso. Caso contrário, a fala cairá no vazio, tanto quanto as falas de presidentes americanos falando de paz e, simultaneamente, promovendo guerras.

Cristovam Buarque, engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político brasileiro filiado ao Cidadania.

Fonte: https://veja.abril.com.br/