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Dar e receber

Dar e receber

O presidente Lula encontrou seus limites na composição de forças do governo de coalisão. Sem acordo com partidos de oposição, a governabilidade corre sério risco de viver de crise em crise. O exemplo de Dilma Rousseff ainda é muito próximo e chocante. A falência da negociação política resultou no impeachment e jogou o Partido dos Trabalhadores numa tensão profunda da qual saiu por diferença mínima de votos na última eleição e com auxílio das forças progressistas do centro. Os petistas perceberam que não são hegemônicos e precisam distribuir o poder para governar e garantir estabilidade na relação com o Congresso.

Esta situação não é propriamente nova. Nova é a percepção de petistas raízes, como Gleisi Hofmann, presidente do PT, que defende a participação de oposicionistas no ministério de Lula, mesmo que haja redução da presença de seu partido no governo. É o ápice do governo de coalisão. E a demonstração prática de que o sistema político brasileiro precisa reduzir a quantidade de partidos para diminuir a necessidade de composições com diversas legendas. Política é a arte da negociação. Seu combustível é a saliva, como dizia Ulysses Guimarães.

O presidente Lula desfruta da vantagem de ter percorrido este caminho da negociação até mesmo com figuras como Paulo Maluf, seu mais radical adversário. Os dois se compuseram quando foi necessário. Houve acordo com o PMDB para montar o governo Dilma Rousseff, que resultou no impedimento da presidente, quando ela virou as costas para o entendimento com as outras forças vivas dentro do Congresso. Mas as composições são fluídas. Elas se modificam ao longo do tempo e de acordo com as necessidades. A experiência dos governos recentes, no período pós-constituinte, indica que sem acordos específicos o governo pode entrar em fase crítica.

O curto governo Temer entendeu o assunto desde seu início. Negociou à direita e à esquerda e chegou ao final chamuscado, mas inteiro, mesmo sendo objeto de incessante perseguição do procurador geral da República na época. Presidentes já passaram pela prisão. Lula foi preso e sentenciado. Posteriormente descobriu-se um erro processual que o tirou do xilindró. Temer foi preso por alguns dias. O Centrão, este grupo de partidos mais conservadores, funciona como um regulador das tendências. Os presidentes do Brasil sabem que são alcançáveis pelo impeachment ou pela prisão. A espada de Dâmocles está sempre pendurada sobre suas respectivas cabeças.

Durante a Constituinte os trabalhos se encaminhavam no sentido de que o Brasil adotasse o parlamentarismo. O PSDB e o MDB, naquela época, defendiam abertamente este sistema. Mas o então presidente da República, José Sarney, entendeu que a adoção desse sistema de governo reduziria o tamanho de seu mandato. O presidente anterior, João Figueiredo, teve mandato de seis anos. Sarney trabalhou então junto com o deputado Ricardo Fiuza (PFL-PE) para criar um grupo de parlamentares que agiriam em defesa do presidencialismo. Surgiu o centrão, com a famosa oração de São Francisco: “É dando que se recebe”. Tem sido assim desde aquela época. Sarney manteve seu mandato de cinco anos, que foi o acordo possível.

O governo distribui benesses e recebe de volta votos favoráveis no Congresso. É assim que funciona. Quem desafiou o sistema, perdeu. Fernando Collor foi eleito como um poderoso caçador de marajás, mas foi objeto de impeachment. Conseguiu retornar ao Congresso por dois mandatos de senador por Alagoas. A vingança chegou depois: perdeu a mais recente eleição quando se candidatou ao governo de Alagoas e foi considerado culpado pelo Supremo Tribunal Federal por recebimento indevido de vantagens. Foi condenado à prisão.

Fora do poder não há salvação. Na política brasileira essa é a regra. O político que fica exposto ao sol e ao sereno perde influência no seu estado e na sua cidade. Termina suplantado pelo seu adversário local. O poder de atração do governo federal é muito grande. Difícil se manter na oposição. Mas quando tentou institucionalizar essa relação, aconteceu o mensalão, a maneira de contribuir financeiramente com deputados e senadores. Foi o caminho da ruína do PT. O partido se reconstruiu na última eleição, mas está maculado pelos malfeitos do passado.

Negociar é preciso, mas existem limites, que não são claros, nem visíveis. São tênues. A política brasileira não costuma perdoar. O deputado Yuri do Paredão foi expulso de seu partido, o PL, porque apareceu em fotos ao lado do presidente Lula fazendo o L. Mas na votação da reforma tributária 30 dos 99 deputados daquele partido votaram a favor do governo. A reforma ministerial prevista para o próximo mês pretende dar cores definitivas ao governo possível do PT.

André Gustavo Stumpf, Jornalista

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/