O assassinato, na área de desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, de um empresário que delatara crimes do Primeiro Comando da Capital (PCC) é a imagem sem filtros do poder crescente e letal das facções criminosas. Em plena tarde de sexta-feira, no terminal mais movimentado do país, ele foi executado com dez tiros, disparados por dois homens encapuzados que saltaram de um carro. As balas atingiram também um motorista de aplicativo que morreu no sábado e outros dois inocentes.
O empresário, acusado de lavar dinheiro para o PCC e de ter mandado matar dois integrantes da facção em 2021, fechara em março acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo. Suas informações levaram à prisão de dois policiais civis lotados no Departamento de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc). “Tenho comprovantes de pagamento, tenho contrato, tenho matrícula, tenho as contas de onde vinham o dinheiro, então dá para a gente fazer o caminho inverso”, disse ele ao MP, segundo reportagem do Jornal Nacional. Costumava ter escolta particular, mas no dia da execução ela não chegou. A alegação é que o carro quebrou. Os PMs que integravam essa escolta foram afastados.
Para além das falhas de segurança, o episódio é uma demonstração trágica do despreparo das autoridades para enfrentar organizações criminosas cada vez mais armadas e sofisticadas. “O Brasil já se encontra em estágio de máfia”, disse o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo. É urgente uma política nacional de segurança que permita ao governo federal e aos estados enfrentar essas quadrilhas.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança elaborada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, é um passo importante. Ela prevê participação mais ativa de Brasília no combate às organizações criminosas, ampliando as atribuições das polícias Federal e Rodoviária Federal, permitindo o compartilhamento de dados do setor e fortalecendo o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
Mas a proposta enfrenta resistências. No fim do mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma reunião com governadores para apresentá-la e discuti-la. O encontro expôs divergências com os estados. No Congresso, antes mesmo de qualquer discussão, parlamentares já erguem barreiras. O líder da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), disse que a PEC representa “um golpe federativo nas entrelinhas” e que será rejeitada. Trata-se de um equívoco, já que ela não tira poder dos estados.
A grave crise por que passa a segurança no país deveria inspirar consensos, não divisões ou picuinhas. Sempre se cobrou do governo federal participação maior no combate às organizações criminosas, uma vez que, sozinhos, os estados não têm condição de enfrentá-las. Caso contrário, não estaríamos assistindo a guerras diárias em São Paulo, no Rio, na Bahia ou no Ceará. A proposta de Lewandowski não esgota os problemas, mas é melhor que o vácuo existente hoje. Deveria ser apoiada por todos. Não basta demonstrar perplexidade e indignação com o poder sem limites das facções e suas afrontas ao Estado. É necessário agir. Governadores e Congresso precisam ter senso de responsabilidade e urgência.
Fonte: https://oglobo.globo.com/