Ao indiciar Bolsonaro no caso das joias, a Polícia Federal jogou água no chope do capitão às vésperas da Cpac, a conferência conservadora que acontece na cidade catarinense de Balneário Camboriú. No sábado, 6, ao discursar na abertura do encontro, o “mito” declarou-se “pronto para ser sabatinado sobre qualquer assunto por duas horas”. Curioso, muito curioso, curiosíssimo.
Bolsonaro teve a oportunidade de prestar esclarecimentos sobre a venda de joias do acervo da Presidência quando foi intimado pela PF. Mas exibiu durante o depoimento uma inusitada modalidade de destemor. A valentia do capitão revelou-se uma qualidade fugidia, que evapora nos momentos em que o dono mais precisa.
No âmbito do inquérito policial, Bolsonaro preferiu esconder-se atrás do direito ao silêncio, uma prerrogativa que a Constituição oferece aos investigados que, não dispondo de uma defesa crível, optam por não produzir declarações autoincriminatórias. No balneário catarinense, diante de uma plateia amistosa, a audácia do orador ressurgiu das cinzas.
Medindo as palavras, Bolsonaro evitou atacar os investigadores da PF. Preferiu criticar “a imprensa que me critica”. Referiu-se às redes sociais, seu habitat natural, como um antídoto contra a realidade que o assedia: “Se acham que vão me desgastar, as mídias sociais nos deram a liberdade.” Abstendo-se de citar Alexandre de Moraes, fustigou-o: “Por isso querem censurar”.
Mal comparando, o lero-lero de Bolsonaro faz lembrar a célebre metáfora de Hegel, a “Coruja de Minerva que só voa quando o crepúsculo chega”, significando que só é possível compreender o tempo em que vivemos quando ele já tiver se esgotado. A compreensão só virá para o encrencado quando for tarde demais.
Além das aflições produzidas pela tentativa de se apropriar das joias da República, Bolsonaro já está indiciado no inquérito sobre a falsificação de cartões de vacina. Nos próximos dias, provavelmente na semana que vem, virá o indiciamento por tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Pode pegar uma cana de até 23 anos. Sem contar a hipótese de ampliação da inelegibilidade de 8 anos para um jejum de urnas de 30 anos.
Bolsonaro fez pose de patriota na conferência da ultradireita: “Não tenho ambição pelo poder, eu tenho é uma obsessão pelo nosso Brasil.” Tanto patriotismo destoa das articulações da milícia parlamentar bolsonarista para cavar no Congresso uma anistia. Como disse o padre Antonio Vieira: “Cada um sonha como vive”.
A maioria do eleitorado brasileiro sonegou a Bolsonaro, em 2022, o sonho da reeleição. Desde então, o mito deslizou da condição de punguista ideológico para a de um reles ladrão de joias golpista. O personagem forneceu à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal a matéria-prima necessária à realizaçao dos seus piores pesadelos.
Bolsonaro odeia a realidade, mas é o único lugar onde ele poderia conseguir uma defesa aceitável. Esse tipo de material não está disponível na conferência conservadora nem no mundo paralelo que o bolsonarismo construiu nas redes sociais. Na sua excursão pelos nove círculos do inferno, Bolsonaro tropeça nos versos de Cazuza. O tempo do indiciado não pára. E suas idéias não correspondem aos fatos!
Josias de Souza, jornalista
Fonte: https://www.uol.com.br/