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Como triturar um ministro 

Não, não se trata de Eduardo Pazuello. Esse virou pó há tempos, naquela visita de Jair Bolsonaro à sua casa, quando resumiu candidamente, numa frase, a essência da relação entre os dois: um manda e o utro obedece. Mas agora quem parece ter entrado num poderoso multiprocessador, em alta velocidade, foi seu sucessor na Saúde, o médico Marcelo Queiroga. Antes mesmo da posse, está virando picadinho. É uma nova modalidade de fritura inaugurada pelo governo Bolsonaro, que joga o sujeito na frigideira antes mesmo de ele virar ministro. Sai do congelador direto para o fogo. 

Assim foi com a Dra. Ludhmilla Hajjar, que, segundo as más línguas, Bolsonaro nunca teve mesmo intenção de nomear. Convidou-a ao Planalto por ter recebido indicação da área política, sobretudo do Centrão, mas recebeu a médica ao lado do ocupante do cargo para o qual iria convidá-la e do filho Zero Três, Eduardo, que a sabatinou sobre armas e aborto. Não pode dar certo mesmo, e sua intenção parecia sempre ter sido a de chamar Queiroga, amigo de Zero Um, o Flávio. 

O presidente nomeou o cardiologista, mas vai deixando claro, acima de tudo, que apesar dos 280 mil mortos, não quer mudar nada na Saúde — e que, no fundo, queria mesmo era deixar Pazuello, que se agarra ao cargo como uma ostra em sua concha. Mais perdido do que cachorro correndo atrás de caminhão de mudanças, Queiroga passou seus primeiros dias ministeriais vigiado pelo antecessor, ao andar com ele de braços dados em eventos nos quais que tomava a dianteira era Pazuello, repetindo: “Rezamos pela mesma cartilha”. 

Se é assim, para que mudar? — indagavam-se nesta quarta, boquiabertos, os políticos aliados que insistiram na substituição. Justa ou injustamente — já que ele apenas obedeceu — , Pazuello virou substância tóxica depois das mortes, do colapso nas UTIs, da inoperância na compra de vacinas, etc. A ideia, com sua demissão, seria promover uma espécie de descontaminação de Bolsonaro, estratégia comum nos governos quando atravessam crises. Tira-se o responsável pela área que vai mal, na tentativa de colar nele toda a responsabilidade pelos erros e, com a troca do fusível, preservar o chefe. 

Mas Bolsonaro subverte qualquer lógica política. Talvez se sentindo um pouco culpado pela incineração de Pazuello, e sobretudo mostrando que não tem intenção de mudar a linha do Ministério da Saúde no (não) combate à Covid — o que por si só é assustador — o presidente da República conduz uma substituição aparentemente fundamental em seu governo na contramão do bom senso. 

O bolsonarista Marcelo Queiroga, um médico respeitado, poderia até, apesar das limitações do discurso presidencial em relação a máscaras, isolamento, lockdown e gripezinha, passar o sinal de uma mudança no quesito eficiência. Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologista, poderia, quem sabe, levar a população a imaginar que algo mais será feito, como por exemplo acelerar o lentíssimo processo de vacinação em curso. O simples fato de ser médico, e não general, já seria um ganho de imagem para o governo nesse momento dramático da pandemia. 

Timidamente, quando Pazuello o deixa abrir a boca, ele até vem defendendo a vacinação em massa e outras medidas sensatas, como a máscara e o isolamento social — coisas que até dias atrás ninguém no governo tinha coragem de defender. Poderia, quem sabe, ajudar o governo a ganhar um tempo em meio a essa crise que está fulminando a popularidade presidencial — segundo o Datafolha mostrou ontem, 54% das pessoas desaprovam sua atuação na pandemia. 

Só que não. Parece que, mais uma vez, Bolsonaro estragou tudo e ligou o triturador. As mensagens desencontradas e a tutela do antigo sobre o novo ministro reduziram exponencialmente o grau de credibilidade que Queiroga poderia ter para assumir o cargo. Até quando vai aguentar? E há quem diga que ele poderá estar muito mais para Nelson Teich, o breve, do que para Pazuello, o obediente. 


Helena Chagas, jornalista

Fonte: https://veja.abril.com.br