A PL 1904 é demonstração explícita do perigo que é misturar política e fundamentalismo religioso. Um retrocesso civilizatório, uma violência contra as mulheres e uma demonstração explícita do perigo que é misturar política com fundamentalismo religioso.
O projeto de lei de que restringe e criminaliza o aborto legal em casos de estupro é isso tudo e muito mais. Sintetiza o desprezo de uma sociedade machista, racista e patriarcal que desrespeita o feminino.
Estuprar é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (Código Penal). Sendo assim, toda pessoa está suscetível à violência sexual. Mas só as mulheres sofrem a dor de uma gravidez indesejada resultante de um crime.
Em 2022, o Brasil bateu recorde de estupros. Foram 205 registros de crime sexual por dia, uma média mensal de 6,2 mil casos (Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Considerando que a análise foi feita com base nas ocorrências registradas, é fácil inferir que a realidade seja ainda pior e mais brutal dada a subnotificação.
As principais vítimas de estupro no país são mulheres negras (Anuário). É provável que isso se deva ao fato de a cultura do estupro se encontrar enraizada na origem histórica da nossa miscigenação racial. Não é segredo que as escravizadas eram tratadas como objeto sexual e sistematicamente estupradas pelos senhores de escravos. Aliás, vem dessa época a exacerbada sexualização associada a corpos negros.
No quesito idade, entre 10 e 13 anos as meninas e adolescentes integram a faixa etária mais vulnerável ao estupro por estas terras, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O mais absurdo é que a maioria dos agressores (cerca de 65%) é gente da própria família.
A sociedade brasileira não pode admitir sob pretexto algum que o Parlamento engate a marcha a ré e retroceda para penalizar as vítimas de um crime bárbaro e medieval que, além do trauma psíquico, fere direitos fundamentais e agride a dignidade. Como o diabo gosta.
Ana Cristina Rosa, jornalista