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Com mesmo hacker, bolsonarismo sonhou com ‘Vaza Jato 2’ e acordou em apuros

Com mesmo hacker, bolsonarismo sonhou com ‘Vaza Jato 2’ e acordou em apuros

Walter Delgatti Neto, o hacker responsável por vazar ao site The Intercept Brasil mensagens comprometedoras trocadas pelo então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, entrou em apuros após o vazamento, por obra de um outro hacker, de uma conversa privada e indevida. Diálogos no Telegram, o mesmo serviço de mensagens instantâneas por onde Delgatti Neto conseguiu hackear os personagens da Lava Jato, mostram que ele tentou cooptar, por R$ 10 mil, o funcionário de uma empresa de telefonia para botar em ação um plano que envolvia a clonagem do chip do celular de Alexandre de Moraes.

A ideia era saber “o que estava aprontando” o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e principal responsável por enquadrar as intentonas golpistas estimuladas por Jair Bolsonaro (PL) ao longo da campanha. Áudios e prints da conversa foram obtidos pelo site Brazilian Report. Confrontado pela repórter Amanda Audi, o hacker não negou que era aquela a sua intenção, embora tenha dito que o plano não foi adiante.

Frustrada ou não, a tentativa de hackear um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) coloca o pivô da Vaza Jato no centro de um outro escândalo. No áudio vazado, ele garante ao funcionário da operadora que alguém pagaria “por trás” pelo serviço de clonagem. Quem? A história exige uma pequena reconstituição dos fatos.

Em julho do ano passado, me encontrei com o hacker em um restaurante de Araraquara (SP). A ideia da entrevista era escrever um perfil e contar como era a sua rotina dois anos depois da Vaza Jato. 

Na conversa ele demonstrou insatisfação com o que entendia como abandono por parte da esquerda e, principalmente, de Lula (PT), então candidato a presidente. Parecia uma ameaça. E era.

Delgatti se queixava por não poder trabalhar devido a uma série de medidas cautelares determinadas pela Justiça desde que ele deixou a prisão no bojo da Operação Spoofing. Uma delas era a proibição de acessar redes sociais — uma medida que, durante a entrevista, seguida do trabalho de checagem nos dias seguintes por meio de mensagens de WhatsApp, não estava sendo cumprida. 

Delgatti Neto se gabou, durante a conversa, por já ter grampeado metade da República. Ele também contou muitas histórias. Algumas delas eram tão verossímil quanto nevar em Araraquara.

Ele só não contou que, dias antes da entrevista, havia se encontrado com a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) – acima, com Delgatti na foto - em um hotel de Ribeirão Preto (SP), cidade onde cursava direito. Foi um encontro fortuito, segundo uma postagem da parlamentar. Ah, tá.

 Entre as datas da primeira entrevista e a publicação do perfil, Delgatti chegou a ser recebido por Jair Bolsonaro (PL) em Brasília para uma conversa cujo teor é até hoje objeto de especulação. Na época chegou a ser noticiado que o presidente queria ajuda em sua cruzada contra as urnas eletrônicas.

O que se sabe é que, após a reunião em Brasília, o então advogado Ariovaldo Moreira rompeu com Walter Delgatti, seu cliente pro bono havia anos. Ele disse à época que não gostou dos rumos da conversa com o presidente, da qual participava também o chefe do PL, Valdemar Costa Neto. 

Em colunas de bastidores, o encontro foi noticiado como uma trapalhada protagonizada por Carla Zambelli, que teria levado o hacker ao chefe como se estivesse apresentando a galinha dos ovos de ouro. Mas o que ela conseguiu, segundo esses relatos, foi apenas irritar a ala mais desconfiada do gabinete do ódio.

Acreditou quem quis. 

Mais de seis meses depois, Delgatti Neto admitiu, em sua entrevista ao Brazilian Report, que “o pessoal da esquerda que me ajudava parou de ajudar” e que precisou bater à porta de Zambelli em busca de um emprego. 

Ele conta ter conseguido assim, em agosto daquele ano, um trabalho como gestor das mídias sociais da deputada, ao custo de R$ 6 mil por mês.

O detalhe é que nem Delgatti podia acessar a internet nem Zambelli tinha redes sociais ativas no período. Em novembro, as páginas da parlamentar foram bloqueadas, por ordem de Alexandre de Moraes, devido a publicações de posts com desinformação sobre o processo eleitoral e apologia à intervenção militar. O desbloqueio ocorreu apenas em 6 de janeiro deste ano. 

Se for verdade que o hacker recebeu salário no período, Zambelli terá de explicar por que pagou a ele por um serviço que ele não poderia prestar.

A ausência de respostas deixa uma lacuna num quebra-cabeças apresentado pelo senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES), que detalhou em lives e entrevistas, dias atrás, como Bolsonaro e o então deputado Daniel Silveira (sem partido-RJ) tentaram cooptá-lo a participar de um plano para melar as eleições tentando grampear Alexandre de Moraes. 

Uma outra peça solta do que pode ser a mesma história é uma certa minuta encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Tudo indica que Bolsonaro e companhia sonhavam com uma “Vaza Jato, parte 2 — o Inimigo Agora é Xandão”, numa tentativa de bisbilhotar supostas mensagens indevidas do ministro do STF. 

A trama envolvia o mesmo personagem do filme anterior: um hacker que agora é alvo de um outro hacker.

Parece aquele meme de um Homem-Aranha apontando os dedos para outro Homem-Aranha. Mas é só o episódio mais recente de uma série documental difícil de acompanhar chamada Brasil atual.


Matheus Pichonelli, jornalista

Fonte: https://tab.uol.com.br