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Com ataque a tiros, aliado desfere antifacada

Com ataque a tiros, aliado desfere antifacada

Passaram-se cinco horas entre os dois pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro sobre Roberto Jefferson na tarde deste domingo. No primeiro, Bolsonaro, de cabeça baixa, leu uma nota dizendo repudiar tanto a fala de Roberto Jefferson contra a ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF quanto inquéritos “sem nenhum respaldo na Constituição”. Na segunda, ante um teleprompter, o presidente muda de postura. Tenta capitalizar a prisão do aliado e reparar as omissões de sua primeira declaração. Disse que quem atira em policial deve ser tratado como bandido e presta solidariedade aos policiais feridos.

A demora com a qual Bolsonaro mudou sua postura mostra o quanto o episódio desnorteou sua campanha. A guerra entre as alas do bolsonarismo nas redes sociais é apenas um aperitivo. Se a grosseria inominável de Jefferson com Cármen Lúcia já havia sido grave, os tiros de fuzil e as granadas lançadas contra policiais federais que foram cumprir a ordem de sua prisão têm o potencial de se transformarem na antifacada de 2022. Administrado com competência durante um mês, em 2018, o ataque a Bolsonaro foi decisivo para a vantagem colocada pelo presidente sobre Fernando Haddad no primeiro turno, que se mostrou irreversível no segundo.

O tempo mais curto até o segundo turno deste ano favorece a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tem potencial até para tirar votos de Bolsonaro. E não apenas do presidente-candidato. Até Haddad ganha uma chance de reverter sua desvantagem. Não apenas porque seu adversário, Tarcísio de Freitas, que lidera a disputa, cometeu o mesmo erro de Bolsonaro mas porque, em campanhas eleitorais paulistas, a integridade da força policial é cláusula pétrea.

Não faltam vídeos, a começar por aquele do 7 de Setembro de 2021, em que Bolsonaro diz que não cumprirá ordens de Alexandre de Moraes, o mesmo ministro que determinou a prisão de Roberto Jefferson. Some-se aí a liberalidade da política de armamentos do governo. O aliado de Bolsonaro é sócio de clubes de tiro, o que lhe faculta posse de armas, mas não de granadas como as usadas no ataque contra a Polícia Federal. A Polícia Federal obteve informações de que ele estava se armando e preparou a operação. Ele fez o vídeo atacando a ministra para vincular a ação ao STF. No cumprimento de prisão domiciliar, nem rede social poderia ter sido usada.

E, finalmente, some-se aí a dobradinha escancarada feita por Bolsonaro, no último debate do primeiro turno, com Padre Kelmon, que era vice de Roberto Jefferson e assumiu quando decretada sua inelegibilidade. Se a dobradinha foi importante para tirar Lula do prumo no debate, a presença de Kelmon na mediação da rendição de Jefferson carimba a condição do PTB como “laranja” do bolsonarismo.

Lula foi sereno na condenação do episódio, vinculando-o às agressões sofridas por Marina Silva durante sua viagem a Minas Gerais e colocando ambas no mesmo saco das agressões surgidas na política brasileira sob inspiração bolsonarista: “A gente nunca viu uma aberração dessas, uma ofensa, uma cretinice como a que esse cidadão que é meu adversário estabeleceu no país. Ele conseguiu criar uma parcela da sociedade brasileira raivosa, com ódio e mentirosa”.

O risco maior que a campanha de Lula corre é de o episódio aumentar o clima de insegurança provocado por agressões como aquela que, também neste domingo, provocou um tiroteio em passeata no Rio Grande do Norte. O carro em que governadora reeleita Fátima Bezerra (PT) estava foi atingido por dois tiros.


Maria Cristina Fernandes, jornalista

Fonte: https://valor.globo.com