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Choque de realidades

Choque de realidades

A decepção do presidente Lula com a pouca presença de manifestantes na comemoração do 1º de Maio em São Paulo revela uma dificuldade nova para o PT. Lula atribuiu a falta de público à má organização do comício, feita pelos sindicatos de trabalhadores ligados ao partido. Não lhe passou pela cabeça que esta, como outras recentes manifestações petistas, teve pouco público porque os sindicatos já não conseguem mais arrebatar seus associados depois que a contribuição sindical obrigatória foi extinta e que as relações de trabalho se alteraram com a reforma trabalhista.

Quando a oposição dizia que os militantes petistas iam às manifestações por causa do sanduíche de mortadela que era distribuído, evidentemente tentava desmoralizá-los, retirando dos comícios e das passeatas o caráter ideológico marcante nas manifestações petistas nos tempos em que Lula era o líder popular máximo, com popularidade de ditador, na casa dos 80%. Só que, no caso de Lula, havia verdade naquelas medições, pois nos seus dois primeiros governos eram novidades as medidas sociais, como Bolsa Família, crédito consignado ou Luz para Todos.

Os escândalos do mensalão e do petrolão ajudaram a macular a imagem de Lula como líder popular intocável. O desastre dilmista corroeu boa parte da sua credibilidade. Sua eleição em 2022 deveu-se muito mais a questões políticas que à popularidade. Grande parte dos que lhe davam 80% de apoio nos anos de 2003 a 2010 passou para o outro lado, assumindo posição ideológica oposta, porque o PT não se adaptou às modernas maneiras de fazer política.

Desde o uso das redes sociais, hoje dominadas pela direita, até as novas maneiras de encarar as relações de trabalho. Exemplar desse distanciamento da nova realidade é a lei que tentou transformar os motoristas de aplicativos em trabalhadores CLT. O que foi anunciado como grande conquista dos trabalhadores foi mal recebido pela maioria dos motoristas, a ponto de Lula ontem ter tentado explicar que o governo não exige que os motoristas se filiem a sindicatos.

Os tempos mudaram, e esse é um exemplo claro do anacronismo da visão petista das relações trabalhistas. Os motoristas de hoje não precisam mais comprar carro ou pagar diária para os donos para trabalhar em táxis. Geralmente é um emprego provisório, à espera de alguma coisa melhor, de um empreendimento próprio ou como complementação salarial. Não querem saber de sindicatos em cima deles, muito menos de apoiar politicamente quem seus líderes apontam.

A frustração com o pouco comparecimento do público reflete uma ideia anacrônica de sindicalismo que ainda persiste e apoia Lula, mas não tem muita força no mercado de trabalho. Este 1º de Maio não foi como Lula gostaria. Do ponto de vista do bolso do trabalhador, o governo tem bons números para mostrar: o emprego aumentou, principalmente com carteira assinada, o salário médio cresceu no país. O ambiente para o trabalhador melhorou de maneira geral, mas essa melhoria ainda não é identificada pela população, porque o preço dos alimentos está muito alto, o que impede a mudança da sensação.

A situação mundial está conturbada, há pressões em vários setores da economia. O clima de embate político permanente também não ajuda a distensionar o ambiente, e a oposição explora essa insegurança nas redes sociais, expondo números contraditórios com os oficiais. Enquanto Lula se vangloriava de a taxa de desemprego ser de 7,9%, a menor de um primeiro trimestre em dez anos, a oposição destacava que, no quarto trimestre do ano passado, a taxa era de 7,4%.

Ontem Lula não teve muito a oferecer como expectativa de futuro. As pesquisas de opinião mostram o desagrado com o governo e constatam que a impopularidade de Lula está aumentando, enquanto o governo acha que talvez precise de tempo para que os benefícios tenham efeito real na vida dos brasileiros.

Merval Pereira, jornalista e escritor.

Fonte: https://oglobo.globo.com/