..::data e hora::.. 00:00:00

Artigos

Chega de brincar, elite paulistana

Chega de brincar, elite paulistana

A elite paulistana é a grande responsável pelo prolongamento da brincadeira de mau gosto chamada Pablo Marçal. O mercado financeiro, sempre tão agudo ao cobrar do governo federal responsabilidade com os gastos públicos e o necessário ajuste fiscal, caiu de amores por um arruaceiro surgido do nada, sem nenhum compromisso com a viabilidade (fiscal, técnica ou legal) de suas ideias estapafúrdias.

O povo do colete de náilon de gominhos com camisa social e sapatênis — combinação que já denota o misto de autoconfiança excessiva com falta de noção — se apaixonou pelo forasteiro que caiu de teleférico no principal centro econômico do Brasil, com o único intuito de se autopromover, de olho nos próprios (e obscuros) negócios e nas eleições presidenciais.

O reconhecimento costuma ser um combustível forte para explicar essas ondas de intenção de voto. Se, ao se olhar no espelho, a elite paulistana enxerga Marçal, isso mostra um profundo e preocupante descompromisso com as reais e urgentes necessidades de uma cidade desigual, que condena em diferentes medidas todos, dos mais pobres aos mais ricos, a uma rotina de provações do momento em que se acorda à hora em que se consegue dormir.

Transformar a escolha do prefeito — aquele que tem a função primordial de resolver problemas do dia a dia que levam a cidade a ser essa eterna gincana contra os perrengues — num campeonato de bizarrices foi a armadilha em que Marçal obteve o sucesso, até aqui, de enredar a todos os que integram o tal “sistema”: partidos, adversários, Justiça Eleitoral, imprensa e eleitores, tanto os que brincam à beira do abismo fazendo a letra M com a mão quanto os outros, que correm o risco de ver seu destino entregue a alguém que não esconde o desprezo profundo pelos assuntos que dizem respeito à vida do paulistano.

Que Marçal ainda tenha algo como 20% das intenções de voto depois do show de horrores diário a que vem submetendo a campanha eleitoral é espantoso — e uma vergonha para os paulistanos. E, aí, é o caso de chamar a elite da cidade à responsabilidade.

Não é possível querer encher a boca com o lema non ducor, duco, que os paulistanos adoram emprestar do brasão da cidade para se arvorarem em comandantes das grandes decisões nacionais, e continuar dando corda para Marçal dançar.

É evidente a contaminação rápida da política em todo o país pelos métodos de rebaixamento do debate promovido pelo candidato que usa um partido de aluguel, o PRTB, para alcançar seus fins. Pablos com menos seguidores dispostos a bater palma proliferam.

Promotores de debates noutras capitais condicionam as regras dos debates fora de São Paulo à necessidade de tentar domar alguém que se recusa a cumprir regras com que se comprometeu. Esse cenário é inaceitável e aponta para uma desertificação da disputa de 2026 tão galopante quanto a que ameaça os biomas que queimam em incêndios descontrolados do Norte ao Centro-Oeste. E, assim como em relação às mudanças climáticas, nossas instituições de governança vão se mostrando alheias ou incapazes de apresentar ferramentas eficientes de combate.

Lula, que tratou de dar voltas e trazer bodes à sala na abertura da Assembleia Geral da ONU, para tentar transformar a crise das queimadas em nota de rodapé no discurso, vai ignorando de forma bastante inconsequente a depredação que Marçal promove em seu berço político.

Depois não poderá reclamar quando, em 7 de outubro, assistir ao ex-coach voltar sua artilharia para Brasília, talvez a bordo do convite para embarcar em algum partido maior, com mais estrutura e nenhum compromisso com a democracia — a lista de siglas candidatas a ser incubadora desse projeto é vasta, algumas delas com assento na Esplanada dos Ministérios.

A hora de reagir e fincar barricadas em defesa da democracia é agora, e não depois que tudo queimar sob os métodos de alguém que ainda não chegou ao limite do que está disposto a fazer.

Vera Magalhães, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/