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Cessar-fogo

Cessar-fogo

O presidente Lula calou a boca e maneirou o tom, o ministro Fernando Haddad anunciou a nova âncora fiscal para março, o deputado Arthur Lira criou o grupo de trabalho da reforma tributária e, por fim, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, botou as cartas na mesa e ajustou o seu discurso com o de Lula, pelo equilíbrio fiscal com prioridade social.

Feita a paz? Mais ou menos, porque isso não muda o essencial: o BC se mantém autônomo, os juros continuam altos, em 13,75%, e não há previsão para mexer na meta de inflação, reconhecidamente irreal, de 3,25%. Todo mundo baixa a bola, menos o PT, mas há muitas dúvidas e muita discussão pela frente para botar a casa em ordem. Ou melhor, as casas.

A primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN, ou Cemenê) no ano e no atual governo não foi exatamente um chá de comadres, mas virou almoço para uma DR, ou seja, para discutir a relação. Um almoço entre Haddad, Tebet e Campos Neto que demorou mais do que a reunião do conselho em si.

A pauta começou a ser esvaziada quando o ensaio de um acordo de paz em torno da mudança da meta de inflação foi por água abaixo, depois de Campos Neto declarar ao programa Roda Viva que a flexibilização da meta poderia ser compreendida pelos agentes econômicos como uma espécie de liberou geral, pressionando, em vez de aliviar, os juros. O remédio seria pior do que a doença.

A única novidade, portanto, é que a guerra de Lula contra o BC e seu presidente saiu dos holofotes para os bastidores e seus atores passam a conversar civilizadamente e arregaçam as mangas para trabalhar. Inclusive o próprio Lula, menos empenhado em estressar o mercado e mais disposto a mostrar serviço e gerar boas notícias, como no salário mínimo e tabela do IR.

Na lista, novos parâmetros e beneficiários do Minha Casa, Minha Vida, tão fundamental; correção das bolsas da Capes e do CNPq, represadas desde 2013; operações para salvar o futuro dos Yanomamis, ameaçado a golpes de garimpo e descaso; o Desenrola, a ser anunciado, trazendo alívio para devedores de classe média baixa e credores. Além da normalidade institucional em duas carreiras de Estado: Forças Armadas e diplomacia, com claro processo de correção de rumos e separação do joio do trigo.

Nada disso, porém, supera a supremacia da economia num país que tem todas as condições favoráveis, mas não cresce, politizou a macroeconomia, convive com desemprego muito alto e indicadores sociais lamentáveis – ou desesperadores. Concentrar o debate em juros altos é fechar os olhos para a realidade e banalizar o debate sobre soluções sustentáveis.

Eliane Cantanhêde, jornalista

Fonte: https://www.estadao.com.br