É abjeto, repugnante, dá engulhos. Mas o gabinete paralelo no Ministério da Educação, gerido por pastores suspeitos de embolsar propinas para liberar construções de creches e escolas, é só mais um entre vários. Faz parte da organização, da índole do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Estruturas alheias à administração pública também se firmaram no Ministério da Saúde para comprar vacinas superfaturadas, conforme comprovou a CPI da Covid no Senado; habitam o Planalto, ali conhecida como gabinete do ódio. Eram assíduas e talvez ainda frequentem os ministérios do Meio-Ambiente, das Relações Exteriores e da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Tudo dentro da ideia de subverter a ordem democrática, o que sempre encantou o presidente. Não só expressa em suas ameaças golpistas, nas quais embutiu agressões à Suprema Corte e a guerra contra o voto eletrônico – cópia tupiniquim do guru Donald Trump -, mas na prática cotidiana de governo.
Sem qualquer apreço pelo cargo que ocupa e luta para continuar ocupando, Bolsonaro se lixa para as instituições e a organização do Estado, à exceção das Forças Armadas, que, crê, têm fidelidade canina a ele. Prefere ouvir o pastor Silas Malafaia aos líderes do Congresso, inventa polêmicas políticas completamente fora do eixo, a exemplo da devolução de Fernando de Noronha, constitucionalmente integrada a Pernambuco, para a União.
Tudo de acordo com um padrão. Ora para desviar a atenção de outros incômodos – inflação, preço da gasolina, as Wal do Açaí e rachadinhas suas e da prole, entre outras encrencas -, ora pela natureza destrutiva que pulsa no coração do governo.
Bolsonaro chegou a apostar em um governo sem Congresso, no qual gabinetes paralelos tocassem as pautas de seu interesse. Uma articulação que parece ter ganhado ainda mais força quando a água bateu no pescoço indicando afogamento – nada menos do que 140 pedidos de impeachment dormem na gaveta do presidente da Câmara Arthur Lira.
Antes de quase naufragar e de entregar o butim ao Centrão de Lira e Ciro Nogueira, hoje na Casa Civil e com o poder final de autorizar execuções orçamentárias, ele já havia encorajado a presença de negociadores de vacinas no Ministério da Saúde e de pastores amigos no da Educação.
Não começou por aí. Tinha feito vistas grossas às estripulias da ministra Damares Alves, cuja investigação sobre transações financeiras de seus assessores formais e informais, aberta pela Polícia Federal em outubro de 2020, foi parar debaixo do tapete. Tampouco se manifestou sobre o seu ex-ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, suspeito de integrar o grupo ou facilitar a vida de “investidores” metidos com exportação ilegal de madeira de acordo com a Operação Akuanduba da PF, hoje quase esquecida.
Aplaudiu também as invencionices do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que, além das sandices cometidas no cargo, como o apelido de “comunavírus” que deu para a Covid e outras retaliações idiotas à China, maior parceiro comercial do país, tomou de assalto a Chancelaria para promover a ultra-direita. Nesse tempo, a Fundação Alexandre Gusmão, centro de estudos do Itamaraty, incorporou blogueiros como Allan Santos, hoje foragido da Justiça, e outros “olavetes”, adoradores do guru do bolsonarismo de raiz, Olavo de Carvalho, morto em janeiro deste ano.
Nas salas adjacentes à sua no Planalto, turbinou a turma de blogueiros acionados pelo Gabinete do Ódio, paralelo à Comunicação formal de governo, que quase conseguiu incendiar o país antes do 7 de Setembro. E, pelo que se sabe, continua a operar sem qualquer constrangimento.
A aposta de Bolsonaro, ao que parece, é a de continuar a destruir o Estado – conselhos, organismos consultivos dos ministérios, de instituições de pesquisa, etc.-, ocupando-o com estruturas informais distantes do radar dos políticos e de órgãos oficiais de fiscalização.
É tão corrosivo que desconstrói até o ditado popular: diz por sua “cara no fogo” pelo ministro Milton Ribeiro, quando se sabe que, diante de qualquer problema, o que ele faz é jogar a culpa em outros. Não dá sua cara a tapa e muito menos põe sua mão no fogo por nada ou ninguém.
Mary Zaidan é jornalista
Fonte: https://www.metropoles.com