Chega um dia em que não temos mais nada para dizer, confesso.
E de que adianta denunciar todos os dias as mesmas barbaridades, se amanhã elas continuarão do mesmo tamanho?
Sim, por enquanto, ainda temos liberdade para escrever, não há censura prévia, mas me sinto cada vez mais inútil ao comentar o cotidiano desta tragédia anunciada.
Ficamos dando voltas em torno do próprio rabo, apenas assistindo à destruição do país, como foi prometido durante a campanha eleitoral.
Já passou das duas da tarde, ligo a televisão, navego pela internet, e só tem “novidades” com prazo de validade vencido.
É o que o brilhante Alfredo Ribeiro, o Tutty Vasquez (por onde anda?), chamava de “notícia enguiçada”, aquela que não sai do lugar.
Lá estão as queimadas por toda parte, o novo boletim médico do presidente, a reforma da previdência, os mesmos personagens grotescos de sempre declamando seus discursos vazios.
Nada mais parece capaz de surpreender os brasileiros.
Nem o fogo avançando no Pantanal, um dos últimos santuários ecológicos do país, nem o filho armado num quarto de hospital, nem o outro pregando abertamente contra a democracia.
Se amanhã aparecer todo mundo pelado em Brasília, plantando bananeira na Praça dos Três Poderes, talvez alguém ainda se espante.
A bancada da bíblia vai pedir uma CPI, a bancada da bala vai dar tiros para o alto, o governo e o Olavo de Carvalho vão acusar o comunismo internacional e o Bonner fará cara de “eu não acredito!”, antes de chamar a previsão do tempo.
Vão dizer que é por causa do calor e da secura no Planalto Central, e logo tudo será “normalizado”. São coisas que acontecem, fazer o quê?
Para mim, desde sempre, jornalismo é contar alguma novidade, mas hoje está difícil. Não consegui encontrar nenhuma.
Pela primeira vez nestes 11 anos de Balaio, completados ontem, me vejo sem um bom assunto para comentar e, por isso, estou dividindo minha angústia com vocês.
Como me propus a escrever todos os dias, chova ou faça sol, dependo dos fatos acontecendo para poder comentar, mas ultimamente só temos fake news.
Tudo virou uma grande farsa, um faz de conta, já não dá para saber onde estamos pisando.
O que antes era notícia, deixou de ser.
Madeireiros e garimpeiros invadindo áreas indígenas agora fazem parte da paisagem.
Milícias ocupando áreas inteiras do Rio, presídios comandados por facções, parlamentares pedindo cargos e verbas à luz do dia para aprovar as reformas e a nomeação de um embaixador, multidões de famílias de desempregados dormindo nas calçadas, o mundo rindo de nós: o que falta ainda?
Talvez um bangue bangue no Palácio do Planalto para decidir quem manda mais, se o capitão reformado, os generais de pijama ou o xerife da Lava Jato.
Com as armas liberadas, um dia vai ser tudo resolvido a bala. Ganha quem atirar primeiro.
As balas perdidas vão sobrar para nós, é claro.
Já são três da tarde, e nada acontece.
Nos próximos dias, Lula será condenado de novo. Alguma novidade? Será notícia só para um pé de página das seções de efemérides.
Ainda se condenassem algum tucano, talvez desse manchete.
Fora isso, é aquele marasmo, o torpor que prenuncia as grandes tempestades.
Fico com pena dos meus colegas que precisam fechar a primeira página dos jornais, depois de tudo que já lemos na internet.
Sempre ficamos com a impressão de que já lemos aquilo em algum lugar ontem, na semana passada, no mês anterior.
Quem sabe, só uma invasão de extraterrestres marxistas possa acordar este país deitado em berço esplendido.
Vida que segue.
Repórter desde 1964