Em outubro de 2018, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro disse que, se fosse eleito, proporia “o fim do instituto da reeleição, e no caso começa comigo”. Em março passado, o já presidente Bolsonaro anunciou solenemente: “Pretendo não participar no primeiro turno de qualquer candidatura entre os quase 6 mil municípios do Brasil”.
O que o presidente Bolsonaro diz, como se vê, não se escreve. A reeleição, o presidente busca desde que tomou posse. Já a disposição de ficar fora da campanha para as eleições municipais durou somente o tempo suficiente para que Bolsonaro fizesse os cálculos dos ganhos e prejuízos resultantes de sua presença nos palanques – sempre tendo em perspectiva, exclusivamente, sua própria reeleição.
Bolsonaro deve ter chegado à conclusão, um tanto óbvia, de que seria bom para seus propósitos ter um aliado na prefeitura do maior colégio eleitoral do País, São Paulo. De quebra, deve ter imaginado que a derrota do PSDB na capital paulista para seu candidato, Celso Russomanno, seria um duro revés para o governador tucano João Doria, possível adversário na eleição presidencial de 2022.
Seja como for, o fato é que, por iniciativa de Bolsonaro, a campanha à Prefeitura de São Paulo, iniciada oficialmente no domingo passado, está “nacionalizada”, isto é, atrelada à eleição presidencial de 2022. Mobilizados pelas redes sociais, muitos eleitores agora irão às urnas para votar numa espécie de plebiscito informal sobre o governo Bolsonaro, e não no candidato que consideram mais bem preparado para administrar sua cidade e enfrentar seus grandes desafios.
É difícil saber, por exemplo, o que a inadequação e o péssimo estado de conservação das calçadas de São Paulo, como mostrado em recente reportagem do Estado, têm a ver com os projetos pessoais do sr. Bolsonaro. Transporte público, planejamento urbano, serviços, saúde e educação são as reais prioridades dos paulistanos, enquanto a prioridade do presidente é continuar no poder e enfraquecer supostos adversários.
Os eleitores de São Paulo, como os de todo o País, terão a chance de opinar sobre a qualidade do governo de Bolsonaro quando chegar a eleição de 2022. A antecipação da campanha só interessa a Bolsonaro, que não tem o que mostrar como governante, já provou sua rematada inaptidão para o cargo e trata tudo o que acontece no País como parte de uma disputa eleitoral imaginária.
Bolsonaro está confortável para escolher seus palanques nas eleições municipais. Sem compromissos partidários – está sem legenda, e a que tenta criar não sai do papel, apesar da fanfarra de seu lançamento –, o presidente não precisa se preocupar com questões que considera menores, como programas de governo e propostas para as cidades. Sua única demanda é que os candidatos a quem ele der apoio representem bem o bolsonarismo.
E nada representa melhor o bolsonarismo do que a candidatura de Walderice Santos da Conceição à Câmara dos Vereadores de Angra dos Reis (RJ). Conhecida como “Wal do Açaí”, Walderice trabalhava em 2018 vendendo açaí em Angra quando deveria estar dando expediente em Brasília no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, do qual era contratada como “assessora parlamentar”.
Desde que o caso se tornou público, “Wal do Açaí” é investigada pela Procuradoria do Distrito Federal sob suspeita de ser, ora vejam, funcionária fantasma de Bolsonaro. Para a família do presidente, isso não tem a menor importância. O senador Flávio Bolsonaro, ele mesmo enrolado em escândalo envolvendo funcionários fantasmas e rachadinhas, gravou um vídeo apoiando a candidatura de Walderice, “uma pessoa dedicada, trabalhadora, que a exemplo de várias pessoas que estão no entorno do presidente Bolsonaro levam pedrada porque são pessoas honestas e corretas e que só querem fazer o bem ao próximo”.
Na cédula, é claro, Walderice se apresentará ao eleitor como “Wal Bolsonaro”, sob as bênçãos entusiasmadas do próprio. Afinal, o que poderia retratar melhor a degradação da política promovida com tanta paixão pelo presidente e seus filhos?
Editorial do jornal O Estado de São Paulo