Encurralado por todos os lados, o presidente Jair Bolsonaro vive aquele momento de além de queda, coice. Sua aprovação vai ladeira abaixo, a imagem de conduzir um governo incorruptível foi trincada pelo escândalo da Covaxin, e a expectativa de poder escorrega entre os dedos. Para reverter este quadro e continuar a ser competitivo na eleição presidencial, aposta em uma combinação de alguns fatores: crescimento da economia, fim da pandemia e aumento expressivo da arrecadação para financiar um programa social com sua marca.
Teoricamente é possível tudo isso acontecer ao mesmo tempo e há elementos da realidade nestas expectativas. As projeções de crescimento da economia batem na casa de 5% neste ano, embora apontem uma expansão raquítica em 2022, quando disputará seu segundo mandato. Conta ainda a seu favor o cenário do mercado mundial, no qual as commodities vivem um novo “boom”.
Haverá, portanto, folga de caixa para ter um programa social para chamar de seu. Provavelmente não será como o aumento emergencial de 600 reais de 2020, mas algo mais substantivo do que o atual Bolsa Família. A Roda da Fortuna giraria ainda para o seu lado em virtude da vacinação em massa, que faria da pandemia coisa de passado.
De fato, há sinais animadores de que a vacina começa a fazer diferença. A chamada terceira onda está sendo bem menos agressiva do que a segunda, embora o patamar de mortos ainda seja alto. Provavelmente isso vem acontecendo porque já temos 34% dos brasileiros vacinados com a primeira dose.
Tudo isso geraria uma sensação de bem-estar capaz de levar Bolsonaro a repetir o milagre de Lula que, atingido pelo “mensalão”, conseguiu dar a volta por cima se reelegendo em 2006 graças ao “boom” das commodities responsável pelo bom desempenho da economia.
As realidades distintas desautorizam qualquer comparação entre as duas situações. No pior momento do governo Lula – julho de 2005 –, a aprovação do seu governo ainda era de 35% e a reprovação de 23%, bem distinto de Bolsonaro, com desaprovação beirando os 50%.
A questão é saber se a recuperação da economia reverterá o dantesco quadro social, com seus 15 milhões de desempregados, mais os subocupados e desalentados. A pandemia aumentou ainda mais a concentração de renda no Brasil. Antes dela o 1% do topo da pirâmide social detinha 44,2% da renda nacional. Em apenas um ano saltou para 49,6% da riqueza nacional em suas mãos.
As consequências estão expostas nos faróis dos aglomerados urbanos, no aumento da população de rua e nos novos contingentes de favelados. Quem era classe B virou classe C e quem era classe C desceu um degrau a mais. A fome, nas suas diversas gradações, passou a ser uma presença para mais de 60% das famílias brasileiras.
Os pobres foram duramente atingidos pela crise econômica e pela pandemia. Isso explica o sentimento detectado em pesquisas qualitativas de repulsa e ódio a Bolsonaro, por considerá-lo desumano. Reverter tal percepção será quase um milagre. Aqui, mais uma diferença substantiva entre o Lula de 2005 e o Bolsonaro de 2021. O aumento da desaprovação do primeiro se deu principalmente nas camadas mais ricas, já a de Bolsonaro ocorre nas camadas mais pobres, inclusive entre evangélicos.
Imaginar que, com o sucesso da vacinação, a pandemia não terá impacto eleitoral equivale a acreditar que um país entra em guerra, perde 500 mil vidas e mesmo assim um dos maiores responsáveis por tamanha tragédia não será punido nas urnas. Quando a campanha começar para valer Bolsonaro será bombardeado diuturnamente por fartos materiais, muitos fornecidos por ele mesmo.
O presidente enfrenta ainda o coro das ruas, cujas manifestações começam a extravasar as fronteiras da esquerda. O caldo está engrossando e tende a piorar mais com a atuação da CPI da Covid.
Não que a eleição esteja decidida, longe disso. Até mesmo em política, milagres acontecem.
Com a expectativa de poder fugindo de suas mãos, surge uma vasta avenida para uma terceira via. Movimentações como a de Gilberto Kassab em torno de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, ou do MDB para lançar a candidatura de Simone Tebet, reforçam a ideia de que Bolsonaro pode ser um cavalo perdedor. Políticos do centro e empresários tomam consciência de que sua candidatura se tornou a via mais rápida para Lula voltar ao poder. Buscam caminhos para evitar tal situação e se livrar de um presidente que se elegeu beneficiado pela Fortuna, mas que não teve a “Virtú” na hora de governar.
Hubert Alquéres é membro da Acedemia Paulista de Educação
Fonte: https://www.metropoles.com