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Bolsonaro e o caos no Natal da desobediência

Foi o Natal da desobediência. Municípios do interior de São Paulo ignoraram a fase vermelha decretada pelo governo do estado, restaurantes e bares abriram clandestinamente, e não fecharam nem mesmo depois da visita da fiscalização. Ainda bem que a fase amarela volta hoje. Embora sem qualquer justificativa científica que estabeleça diferenças entre a situação de domingo e a de segunda em SP, ao menos o governo escapa da desmoralização total. Por lá, onde os números da pandemia aumentaram assustadoramente nas últimas semanas, o atraso na divulgação dos dados da CoronaVac e o bate-volta do governador João Doria a Miami na véspera do Natal deixaram clima meio pesado.

Mas não é só em São Paulo. O país inteiro celebra (?) as festas em meio à confusão, atravessado por sentimentos que vão do medo e da depressão ao escapismo e à negação.  Em Manaus, os comerciantes e parte da população foram às ruas protestar e levaram o governador Wilson Lima a recuar nas medidas tomadas, autorizando a abertura do comércio antes proibida. Em Brasília, restaurantes e shoppings cheios, no Rio apenas o tempo nublado afasta o carioca da praia. Em Angra dos Reis (RJ), funcionários do turismo fizeram protesto contra as medidas restritivas. As previsões são de que na primeira quinzena de janeiro os números de mortos e contaminados da Covid aumentem ainda mais, consequência do descuido nos feriados.

Loucura coletiva? Um pouco. Desespero? Muito. Ninguém aguenta mais essa situação. O responsável maior pela bagunça, acima de tudo, é o poder público. É, aliás, a ausência de quem deveria estar fazendo campanhas de esclarecimento a população, tomando providências não apenas para atendê-la nos hospitais e iniciar a vacinação, mas sobretudo para fazer o que se espera de uma liderança nessas horas: passar segurança, acolher, organizar e dar o exemplo.

Aqui, o principal incentivador do caos é o próprio presidente da República, em seu eterno vai-e-vem, puxa-e-estica, mente-e-desmente. Jair Bolsonaro chegou para confundir, e quando o palco para isso é a saúde pública, não se pode esperar nada além da catástrofe.  A consequência é morte. Neste Natal, ele fez uma live sabotando a vacinação, afirmando que o governo não se responsabiliza por efeitos colaterais, etc. Até sábado, manteve o discurso da irresponsabilidade até sábado, quando foi indagado sobre o atraso no início da imunização no Brasil, em contraste com outros países, e respondeu que “não dá bola para isso”.

No domingo, talvez alertado para a péssima repercussão, disse que “temos pressa em obter uma vacina segura, eficaz e com qualidade”.  O problema agora é fazer isso, com todo o despreparo já mostrado por seu governo — e com a certeza de que o presidente da República estará, amanhã, dizendo o contrário do que disse hoje. Já é possível quantificar as consequências nefastas do comportamento e do exemplo da Bolsonaro. Hoje, 22% das pessoas dizem não querer tomar a vacina, contra 9% de alguns meses atrás. O resultado disso pode ser um tremendo fracasso na imunização da população, que pode não alcançar os índices necessários para erradicar a doença por aqui.

Vacinação

Do outro lado, os mais de 70% que ainda querem se vacinar assistem às cenas do início da vacinação contra a Covid-19 mundo afora. Neste fim de semana, apesar do Natal, em mais de quarenta países já estavam vacinando. Mas não conseguimos ver aqui, por trás da espuma da politização que tomou conta do assunto, perspectivas mais animadoras.

Até agora, a população, confusa e dividida entre apavorados e negacionistas, ainda não deu sinais de que irá às ruas protestar contra o governo por sua irresponsabilidade e inoperância no caso da Covid-19. Mas o aumento do número de contaminados e mortos, o fim do auxílio emergencial que garantiu a sobrevivência de muitos nos últimos meses e a demora na vacinação são ingredientes explosivos.


Jornalista, formada na Universidade de Brasília em 1982