O presidente Jair Bolsonaro, é claro!, está flertando com o perigo. Resolveu ele próprio convocar as ruas. Pois é... Como reza um velho clichê, a gente sempre sabe como essas coisas começam, mas nunca como terminam.
Em 2013, setores de extrema-esquerda deciriam que era chegada a hora de implementar no país “o socialismo da catraca”. A “tchurminha” já havia promovido bagunça de proporções modestas em algumas cidades, mas a coisa pegou fogo mesmo, literalmente, em São Paulo. Um reajuste de R$ 0,20 nas passagens de ônibus e metrô acertado por Fernando Haddad e Geraldo Alckmin, então prefeito da Capital e governador do Estado, abriu as portas do caos. O país já caminhava rumo à pindaíba, mas os malefícios ainda não haviam chegado à população.
O PT não estimulou propriamente a baderna, até porque colheu em cheio o governo Dilma, mas também não se opôs a ela de maneira veemente. Gente que desfilava de braços dados com “black blocs” foi chamada ao “diálogo” no Palácio do Planalto. Já escrevi centenas de textos a respeito, e o resto é história. Com alguma aceleração do pensamento, pode-se dizer que a eleição de Jair Bolsonaro, cinco anos depois, começava ali. Porque ali tinha início o movimento de ódio à política, anabolizado depois pela Lava Jato. Movimentos de extrema-esquerda chamaram o povo às ruas contra “isso daí”, para usar expressão ao gosto de Bolsonaro. Três ou quatro meses depois, a rua começou a assumir outro tom e a atrair outro tipo de descontente. A coisa seguiu 2014 afora... A Lava Jato esmagou o petismo e, de modo mais amplo, a dita “política tradicional”. E estamos na areia em que estamos...
Jair Bolsonaro, que não é conhecido por ser um homem de juízo desde quando imaginava a possibilidade de explodir bombas em quartéis e mandar para os ares o reservatório do Guandu, no Rio, convocou, no sábado, de viva voz, a população para um ato que ele chamou “pró-Brasil”, mas que ele sabe ser contra o Congresso e o Supremo. É golpismo. Deveria tomar cuidado.
Milhares de mulheres foram às ruas neste domingo, no Dia Internacional da Mulher, para protestar contra a misoginia, o machismo e as múltiplas discriminações de que ainda são vítimas. Debaixo de chuva, havia muita gente na Avenida Paulista, por exemplo. As pautas específicas, claro!, viraram palavras de ordem, mas se pode afirmar, sem medo de errar, que o presidente foi um dos principais alvos da manifestação.
Informa a Folha:
Em São Paulo, o protesto envolve mais de 80 entidades (entre coletivos feministas, movimentos sociais e siglas de esquerda), as organizadoras pretendem atrair 60 mil pessoas, mesmo tamanho do público estimado no ano passado.
O ato começou a ser preparado em janeiro, já com o tema “Mulheres contra Bolsonaro”. Segundo líderes, a ênfase no nome do presidente se impôs por causa das ações contrárias a demandas históricas do movimento, como igualdade de gênero, combate à violência doméstica e descriminalização do aborto.
O protesto se soma a outros dois de oposição ao governo marcados para este mês: o do dia 14, que pedirá esclarecimentos sobre a morte de Marielle Franco na data em que o assassinato faz dois anos, e o do dia 18, organizado inicialmente por melhorias na educação e nos serviços públicos.
O FUTURO
Não sei para onde a coisa vai porque não tenho bola de cristal. Mas digamos que a conjunção de astros que não são da escolha de Bolsonaro -- o coronavírus, por exemplo, que vai pressionar para baixo o crescimento da economia mundial; também a do Brasil -- não anunciam amanhãs sorridentes para os brasileiros.
O país cresceu a mixuruquice de 1,1% em 2019. Há uma boa possibilidade de que repita a performance bisonha neste 2020. Sabe aquele país pujante, com “o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”? Pois é... Parece que o tinhoso ameaça dar as caras... Há um limite para a conversa mole, não é mesmo? É boa a possibilidade de que os arroubos de patetice de Bolsonaro deixem de ter o charme da autenticidade e passem a ser lidos por aquilo que são: grosseria de quem não sabe direito o que fala e o que faz.
AS RUAS
O presidente está a dizer: “Que venham as ruas. Quem tem medo das ruas não pode ser político”. Pois é... Vivêssemos, deixem-me ver, um populismo próspero -- o de Donald Trump, goste-se ou não, se dá na prosperidade até agora --, vá lá. Mas o presidente está convocando a população para aplaudir o quê? O crescimento constrangedor? A renda estagnada? O desemprego ainda na estratosfera? A informalidade da mão de obra? As filas do INSS? O vexame do Bolso Família?
“Ah, mas isso, em breve, vai mudar...”
Não vai. E pode até piorar.
Naquele 2013, quando a país tremeu, a economia cresceu 3%. Em dezembro daquele ano, a taxa de desemprego ficou em 4,3%, a menor da série histórica. Na média de 12 meses daquele ano, a taxa ficou em 5,4%, também a menor taxa média anual da história. Para comparar: fechou em 11,2% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. Mais do que o dobro.
Não obstante, o presidente acha uma boa ficar brincando de rua. Não entro no mérito de responsabilidades. Essa prosa é outra. Faço dois cortes sincrônicos. A maioria dos brasileiros vive hoje em situação muito pior do que vivia em 2013. É apenas um fato. E, naquele ano, a terra tremeu.
Sim, muita coisa mudou na política, nas mentalidades, dos aparelhos de mobilização dos brasileiros etc. Não entro nessa questão agora. Destaco, no entanto, que apelar diretamente às massas quando sobram razões para descontentamento é gostar de viver perigosamente.
As mulheres neste domingo deram um sinal. “Ah, só havia movimentos de esquerda na Paulista, debaixo de chuva”. Convenham: a esquerda não anda com essa bola toda, não! Mas ainda que assim seja, noto: com menos razões do que há hoje em dia para protestar, 2013 fez história — má história, mas fez.
Conviria a Bolsonaro ter juízo. Mas ele não tem.
Reinaldo Azevedo, jornalista
Fonte: https://noticias.uol.com.br