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Banco Central e governo em pé de guerra

Banco Central e governo em pé de guerra

O Banco Central fez um comunicado, ao fim da mais controversa reunião dos últimos tempos, que se compara a uma declaração de guerra, na avaliação até de economistas de mercado. Integrantes do governo e do PT têm radicalizado também. E a palavra serena ficou com o ministro Fernando Haddad que admitiu apenas que “o comunicado preocupa”. Houve forte artilharia disparada pelo PT, pelo próprio presidente Lula, por economistas reunidos no BNDES contra o Banco Central. Como se esperava, os juros foram mantidos. Mas não houve promessa de trégua futura. O Banco Central parece muito preso ao modelo e sem ver os sinais de desinflação, de desaceleração, e de piora do crédito no país e no mundo.

Nos últimos dias, os críticos do Banco Central no governo radicalizaram suas manifestações e o próprio presidente Lula disse que continuará “batendo” no BC. No comunicado, o BC fala que a reoneração dos combustíveis reduziu a incerteza fiscal, mas disse que inflação aqui e no exterior permanece resistente, há volatilidade internacional e “expectativas de inflação desancoradas”. Avisa que “perseverá” na política monetária, e “não hesitará” em subir de novo os juros se a inflação não cair como o esperado.

Nos Estados Unidos, o FED subiu os juros apesar dos tremores no setor bancário americano. Contudo lá o banco central reduziu o ritmo de alta, apesar de Jerome Powell ter dito antes da crise que poderia até acelerar. Ontem, ele indicou que pode parar a subida dos juros. Powell também foi uma escolha do ex-presidente Donald Trump, como aqui Roberto Campos Neto foi escolha do ex-presidente Bolsonaro. Ambos desagradaram os presidentes que os indicaram, a diferença é que o presidente Joe Biden, tendo a oportunidade de tirar Powell, renovou seu mandato. Mesmo avaliando que o BC brasileiro errou neste comunicado, considero totalmente estapafúrdio esse bombardeio contra Campos Neto, cuja ação, é bom que se diga, neutralizou em parte a política fiscal eleitoreira de Bolsonaro.

O PT nesta volta ao poder tem tentado modular sua visão estatista da economia. Ontem, em entrevista exclusiva concedida a mim, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, avisou que a política de preços será mantida, mas a Petrobras vai brigar com os importadores por participação no mercado usando para isso preços mais baixos. “O que jamais vamos fazer é abrir mão de mercado para importador com preço mais caro. Sempre que puder vamos fazer preço mais barato”, explica. A Petrobras não vai revogar a política de paridade de preços com as cotações internacionais, a PPI, mas a interpreta de outra maneira. “Seguiremos a referência internacional, mas isso não é praticar o preço do concorrente”. Prates afirmou que “nenhum país pode se isolar hoje do sistema econômico mundial”, mas “não vamos aceitar dogmaticamente o preço lá de fora, mais o frete”.

No passado, o PT subsidiou tão fortemente o preço dos combustíveis que levou a companhia ao prejuízo bilionário e ao superendividamento. Agora, o que Prates está falando é em competir com os seus concorrentes. “A política de preços da Petrobras será a política de preços de uma empresa nacional que tem parque de refino no Brasil para disputar cada metro cúbico de combustível”.

Contudo, essa proposta também tem riscos. Pode acabar esmagando a concorrência e levando importadores e até investidores a desistirem do mercado brasileiro. Se a estratégia de disputar cada metro no mercado der certo, pode se caracterizar abuso de poder de mercado da empresa dominante. E, no fim, recria-se na prática o monopólio, já que a empresa tem pelo menos 70% de participação na maioria dos mercados.

O que está levando a um aumento da tensão na economia é o fato de que em palavras, mais do que em atos, o PT parece estar a ponto de repetir erros do passado, o que seria desastroso. Nesse momento, o que se vê é o BC dogmático de um lado, e o governo radicalizando por outro. O arcabouço fiscal não foi aprovado porque encontrou barreiras políticas internas no governo, o que enfraquece o ministro da Fazenda em seu projeto. Está na hora de o governo Lula escolher de forma mais serena, e sábia, qual é a política econômica desse terceiro mandato.


Miriam Leitão, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/