O enfrentamento às organizações criminosas é dever da União (da Polícia Federal). Urge providências. A sociedade não pode ficar refém da ação de grupos criminosos.
O governo federal ventilou nos últimos dias a possibilidade de assumir o protagonismo da condução dos sistemas estaduais de segurança pública. Arguiu-se que os Estados têm falhado no combate às organizações narco criminosas. Pura falácia.
Criar narrativa de que a responsabilidade de enfrentar tais organizações é atribuição “dos Estados” beira à hipocrisia. É desfaçatez.
Qualquer estudante de Direito, ou um neófito em questões constitucionais, “sabe de cor e salteado” que a competência constitucional de combate ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas de fogo é da União, via Polícia Federal. Drogas e armas ilegais são os principais insumos das organizações criminosas que infestam o País.
O § 1º, inciso II, do art. 144, da Constituição Federal, é taxativo:
“§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
...
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;”
Pois bem! Como se vê, da análise do texto constitucional não pairam dúvidas quanto à competência do ente federado – a União, no caso. Cediço é que o Brasil não produz cocaína, assim como todo operador de segurança pública tem certeza de que mais da metade da maconha consumida por aqui tem origem paraguaia e que o arsenal bélico do crime organizado é contrabandeado.
Ao terceirizar atribuição sua, o governo federal (errático, a meu ver, do ponto de vista da segurança pública) evidencia que não quer assumi-la, ou não quer deixar que a Polícia Federal cumpra sua missão constitucional de combate ao narcotráfico, uma de suas missões.
Nesse aspecto, os motivos são diversos. A Polícia Federal enfrenta falta de estrutura logística e de defasagem de recursos humanos, sem falar no excesso de funções administrativas.
É perceptível que o atual governo tem priorizado esforços e recursos, inclusive no âmbito da Polícia Federal, para desconstruir o ex-presidente Jair Bolsonaro, por meio de inquéritos e investigações intermináveis. Com isso, a sociedade é prejudicada, ficando à mercê do tráfico de drogas e de facções criminosas.
Na condição de operador de segurança pública por três décadas fico assombrado, ao observar o diretor-geral da PF afirmar que procuraria do Guiness Book para anunciar que prendeu mais de 2 mil pessoas (‘armadas com Bíblias’) por uma suposta tentativa de ‘golpe de estado’. É risível! E os traficantes, quantos foram presos? Três mil, cinco mil…
O buraco é mais embaixo. Nossa Polícia Federal precisa [e deve] fazer valer uma de suas atribuições constitucionais: combater o narcotráfico. O Brasil clama por isso.
O enfrentamento às organizações criminosas é dever da União (da Polícia Federal). Urge providências. Não é momento de firulas, terceirizar atribuições. O Estado nacional precisa cumprir o preceito constitucional do art. 144, da Constituição.
Dizer que a ‘insegurança pública’ é culpa dos Estados é, no mínimo, querer tripudiar da inteligência alheia.
E aqui, data vênia, posso afirmar: nossa Corte Suprema (o Supremo Tribunal Federal) tem sua parcela nesse estado de coisa. O atual ministro da Justiça, Enrique Ricardo Lewandowski, contribuiu nesse sentido quando, em sede de habeas corpus, liberou os traficantes Nélio Alves de Oliveira e Carlos Roberto da Silva – o primeiro, condenado a 21 anos e 8 meses, e o segundo a 19 anos e 4 meses. Ambos integravam facções por tráfico de cocaína: 492 kg e 488 kg, respectivamente, em Ponta Porã (MT).
Os casos citados são emblemáticos.
O STF, também, deixou de considerar o tráfico privilegiado como crime hediondo. E pasmem, concedeu habeas corpus coletivo, expedido durante a pandemia, sob o argumento de que presas (com filhos (as), ou agregados) por tráfico de entorpecentes, ainda não colocados em prisão domiciliar, tivessem o benefício. À época, o ministro Lewandowski (no STF, e hoje na Justiça) sustentou, na decisão: “não é justo nem legítimo penalizar a presa e aos que dela dependem por eventual deficiência na capacidade de fiscalização das forças de segurança”. Ora, inverteu a lógica da execução penal, beneficiando o infrator. Por esses motivos, não vislumbro que o supracitado Ministro reúna os atributos adequados para conduzir a reforma do sistema de segurança pública do país.
O fato acima exposto é comprometedor. E merece reflexão.
Voltemos ao tema primordial: o combate ao tráfico e ao contrabando por parte de nossa [gloriosa] Polícia Federal.
Se, de fato, o governo federal quer desencadear um combate ostensivo a essa mazela criminal (o narcotráfico) deve, de plano, integrar todos os dados de informações criminais, fazer valer o papel da Polícia Federal no combate ao contrabando e ao narcotráfico, e, por conseguinte, liberar recursos para modernização e ampliação dos sistemas penitenciários estaduais, a fim de isolar lideranças do tráfico e permitir que as regras de execução penal sejam (efetivamente) cumpridas.
Além disso, o governo deve fazer cumprir o dever constitucional das Forças Armadas: a fiscalização das fronteiras terrestre, aérea e marítima. E, por fim, apoiar proposições legislativas que dificultem a vida do criminoso no País. É inadmissível que o Estado brasileiro continue a incentivar a ‘vitimização do bandido’.
O Judiciário precisa, também, fazer sua parte. É indispensável que as Cortes Superiores (STF e STJ) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abandonem as práticas das últimas décadas, caracterizadas por decisões que dificultam a atuação preventiva dos órgãos do sistema de segurança pública e que, via de regra, beneficiam criminosos.
Impedir operações policiais em aglomerados urbanos sob o domínio do tráfico, liberar porte de entorpecentes, devolver bens e libertar traficantes fragilizam o sistema de justiça criminal do Brasil. E, por consequência, incentivam o tráfico de drogas, de armas, de contrabando e de diversas outras práticas criminosas.
Dito isto, é de se esperar do Conselho Nacional de Justiça o incentivo e o reconhecimento a magistrados que se dedicam no combate ao crime e que abandonem a política institucional de ‘desencarceramento em massa’. É, também, de se esperar do CNJ a revogação do ato administrativo que dificulta o monitoramento eletrônico de condenados nas instâncias dos órgãos de segurança.
E, por fim, espera-se do Legislativo a promoção, sem receios, de uma reforma normativa nas esferas penal, processual e de execução penal. Reforma essa que garanta ao sistema de justiça criminal, em especial às Polícias Judiciárias e ao Ministério Público, ferramentas para avançar preventivamente sobre os bens e capitais que financiam o crime organizado, de forma a acabar com a procrastinação recursal insana dos processos criminais, para punir o criminoso de forma exemplar e desestimular a desenfreada sanha criminosa vigente no país. E, assim, tornar oneroso definitivamente o crime no país, a fim de que deixe de ser um bom negócio.
* Paulo Cézar Rocha dos Santos é Coronel da Reserva Remunerada PM-AC, Ex-chefe da Assessoria Jurídica da Presidência do TJ–AC, ex-Secretário de Justiça e Segurança Pública do Acre, Assessor Parlamentar da Câmara de Deputados, com formação em Sociologia, Direito e Mestrado em Gestão de Segurança Pública.