A recente decisão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de tentar reduzir a zero o Imposto de Importação de revólveres e pistolas significaria um duro golpe na indústria nacional de armamentos. Mais do que isso, seria mais um passo numa estratégia equivocada de se realizar uma abertura comercial unilateral, ou seja, de redução do imposto de produtos importados pelo país, por decisão unilateral do Poder Executivo. Felizmente, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu liminarmente a medida pretendida pelo órgão, que é vinculado ao Ministério da Economia.
A intenção do governo de promover uma abertura unilateral e irrestrita já foi explicitada em outras ocasiões. Em 2019, houve uma tentativa de convencer os demais países do Mercosul a diminuir a tarifa externa comum do bloco. A despeito das tentativas feitas na época pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e por diversas associações setoriais que fazem parte do Fórum Nacional da Indústria (FNI), a negociação com o Mercosul se deu sem qualquer diálogo com o setor privado brasileiro, que é imprescindível para se medir os reais efeitos de tal medida na vida das empresas e dos trabalhadores.
No caso em questão, o plano de abertura comercial se limitava a seguir o modelo tarifário de alguns países com a economia mais avançada, com redução radical do Imposto de Importação para artigos industriais e a manutenção de altas tarifas para proteger a agricultura. Diante desse cenário, líderes do Congresso Nacional questionaram o governo se havia mesmo o projeto de abrir a economia unilateralmente, o que foi negado pelas autoridades econômicas. A proposta acabou não indo adiante.
Agora, em um cenário macroeconômico ainda mais desafiador do que antes, com os efeitos da pandemia da Covid-19, desemprego maior e aumento da inflação e ampliação das práticas comerciais desleais por parte de outros países, fomos pegos de surpresa por essa medida de liberação unilateral para as armas, que só não foi adiante graças à decisão do STF.
Por trás dessas tentativas, está a crença, puramente acadêmica, de que uma abertura unilateral poderia, sozinha, estimular o crescimento da produtividade do país, tese que não encontra evidências inequívocas nem na prática nem na literatura econômica. Para ter efeitos positivos, uma abertura comercial precisa ser muito bem negociada, de maneira inteligente, com contrapartidas que possam beneficiar o país. Não faz sentido abrir as fronteiras de forma unilateral, sem tratativas pormenorizadas de como se dará a entrada dos nossos produtos nos mercados dos parceiros comerciais.
Ainda assim, é preciso que a abertura seja precedida de uma série de medidas que melhorem o ambiente de negócios, estimulem a competitividade do setor produtivo nacional e fortaleçam o sistema de defesa comercial brasileiro, além de um período de transição para que as empresas se adaptem ao novo cenário de concorrência. Sem isso, certamente as dificuldades de competir internamente com os produtos importados sob tarifa baixa, ou mesmo sem imposto algum, levariam ao fechamento de empresas e, até mesmo, à fuga para países que ofereçam condições que lhes sejam mais adequadas.
Importante destacar que a indústria nacional não é contrária à abertura comercial. Defendemos entretanto que ela ocorra de forma gradual e que, antes, sejam dadas as condições para que possamos competir de igual para igual com as demais economias. Não dá para falar em abertura comercial agressiva sem antes, por exemplo, acabar com o pesadelo tributário a que nossas indústrias são submetidas diariamente.
O complexo e caro sistema de cobranças de impostos serve como uma pesada âncora para a nossa economia, impedindo o bom funcionamento das empresas, dificultando investimentos produtivos, a abertura de negócios, a contratação de mão de obra e as exportações. A burocracia deve ser atacada não só no campo tributário, mas em todo o espectro da vida empresarial, como nos licenciamentos ambientais, que atrasam a liberação de novos projetos.
Recente estudo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), realizado por encomenda do próprio Ministério da Economia, demonstra que empresas de nações que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dedicam, em média, 38% menos de seus lucros para pagar impostos do que empresas brasileiras. Em relação à complexidade tributária, gastam 89% menos tempo que o Brasil para preparar seus impostos. Além do excesso de burocracia e do cipoal tributário, os elevados custos dos insumos utilizados na produção e os problemas de infraestrutura e logística deixam as indústrias brasileiras em visível desvantagem na comparação com as demais nações.
Não há dúvida de que o Brasil precisa de mais integração aos mercados internacionais o que, naturalmente, vai demandar uma maior abertura do país. Porém a forma correta de fazermos essa inserção é por meio de tratados comerciais favoráveis ao país, como o do Mercosul com a União Europeia, por exemplo. Ao negociar acordos como esse, garantimos a entrada em novos mercados, pelo princípio da reciprocidade e de concessões mútuas. Esses tratados, necessariamente, têm que ser aprovados pelo Congresso Nacional, possibilitando um amplo debate sobre seus riscos e benefícios. Uma das premissas é assegurar a previsibilidade para as empresas se adaptarem ao novo contexto. Este é, portanto, um processo muito diferente de medidas unilaterais tomadas pelo Executivo, como a pretendida pela Camex na resolução que isenta impostos para importação de armas.
Se fizermos uma abertura unilateral nos moldes propostos, o resultado seria desastroso. Nossos parceiros não teriam interesse em negociar, sobretudo no segmento no qual somos mais competitivos e em que enfrentamos barreiras nos principais mercados: a agroindústria. Os prejuízos à produção e às nossas exportações seriam evidentes, com impacto negativo também no campo social, pois levariam a uma queda ainda maior na renda dos trabalhadores e gerariam mais desemprego, flagelo que atinge quase 14 milhões de brasileiros.
O momento exige cautela, sobretudo em um tema tão sensível como a abertura comercial. Só assim, com muito diálogo e muita parcimônia, conseguiremos viabilizar uma retomada consistente da economia e iniciarmos um ciclo de desenvolvimento sustentável. Não é hora para aventuras.
Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria