Foram 44 dias de silêncio. Depois de perder o segundo turno da eleição, Jair Bolsonaro recolheu a língua e saiu de cena. Sem admitir a derrota, o capitão abandonou o Planalto à deriva. Entrincheirou-se no Palácio da Alvorada, onde maquinou um golpe para permanecer no poder.
Em 9 de dezembro de 2022, o ainda presidente interrompeu a clausura. Cercado por seguranças, caminhou até o espelho d’água da residência oficial, onde era aguardado por uma claque em verde e amarelo.
“Hoje vivemos um momento crucial. Uma encruzilhada. Um destino que o povo tem que tomar”, discursou, como se a eleição não tivesse acabado. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”, prosseguiu.
O capitão insinuou que a virada de mesa era iminente. “Peço que não critiquem sem saber o que está acontecendo”, disse, em tom de mistério. “Vamos vencer”, prometeu. “Nada está perdido. O final, somente com a morte”, arrematou, para delírio dos seguidores.
O comício do Alvorada é citado no relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe. O documento empilha provas de que Bolsonaro planejou e comandou o complô contra a democracia. A fala do dia 9 é descrita como uma senha para manter a tropa nas ruas à espera da quartelada.
Entre outras lorotas, Bolsonaro disse aos seguidores que daria a vida pela pátria. Na verdade, só estava disposto a derramar sangue alheio. Um ano antes de perder a eleição, ele já tinha um plano para convulsionar o país e se mandar para o exterior. A operação seria executada mais tarde, no penúltimo dia de seu mandato.
Antes de embarcar para a Flórida, o capitão disse a aliados que não queria entregar a faixa ao sucessor. Para a PF, o motivo da viagem foi outro. Sem força para impedir a posse de Lula, Bolsonaro saiu do Brasil para “evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas”, escreveram os investigadores.
O capitão acendeu o pavio do 8 de Janeiro, mas preferiu assistir à intentona de longe. A fuga no avião presidencial foi seu último ato de covardia.
Bernardo Mello Franco, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/