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A tarefa de isolar a extrema-direita

A tarefa de isolar a extrema-direita

Diz o ditado que, na política, rei morto, rei posto. Jair Bolsonaro ainda não desceu a rampa do Planalto, mas já é passado nas negociações que correm em Brasília em velocidade bem maior que a retirada de caminhões das rodovias pela Polícia Rodoviária Federal.

PSD, União Brasil e MDB abriram a fila dos partidos que não estiveram na coligação que elegeu Lula, mas já estão dispostos a cooperar com sua governabilidade.

Juntos, os três partidos somam 143 deputados na próxima Câmara. Mais que os 122 da aliança que formalmente esteve com o presidente eleito no primeiro turno (139, com os 17 do PDT, que apoiou o petista no segundo turno). Mas, ainda que viessem em peso, sem defecções, as três siglas desse centro não-bolsonarista que fez os primeiros gestos em direção do novo regime ainda não comporiam para Lula uma maioria capaz de aprovar emendas à Constituição.

Ainda faltam quase 40 votos para isso, que terão de ser buscados na federação PSDB-Cidadania, que saiu tão minguada das urnas que não faz verão sozinha, e nos partidos que compõem o núcleo duro do Centrão.

E é aí que entra a tarefa de separar o joio do que se pode, com alguma boa vontade, chamar de trigo. A política se deteriorou a tal ponto no Brasil que todos fazem levantamentos dentro das bancadas de PL, PP e Republicanos entre aqueles que são “só” fisiológicos viciados em Orçamento secreto e os que são extremistas de direita dispostos a sabotar a governabilidade e manter a mobilização permanente nas ruas e nas redes à base de fórmulas de radicalização importadas dos Estados Unidos e doses maciças de fake news.

Conselheiros de Lula já conversam com lideranças das alas que preferem chamar eufemisticamente de pragmáticas dessas siglas que estiveram com Bolsonaro na cédula em busca de nomes para integrarem a maioria capaz de dar a Lula mais de 308 votos na Câmara.

Além da tentativa de abrir essas defecções nas legendas, também são incentivados movimentos para que deputados não-radicais eleitos por esses partidos migrem para os que estão mais próximos de Lula — que, aliás, já estão com fichas de filiação prontinhas para recebê-los de braços abertos.

No Senado, o movimento não será diferente, embora lá estejam algumas das figurinhas premiadas do pacote radical do bolsonarismo. Mas a aposta no QG lulista é a de que é mais fácil compor maioria com a atração que partidos como PSD, UB e MDB podem exercer sobre os não-extremistas, tendo Rodrigo Pacheco como o mediador dessa negociação.

Isolar a extrema-direita, e passar a catalogá-la, quantificá-la e identificá-la, inclusive em entrevistas, reportagens e levantamentos de órgãos como o Diap e outros que fazem acompanhamento do trabalho legislativo, será necessário para cobrir a legislatura 2023-2026.

O Brasil é dos poucos países em que jornalistas e cientistas políticos, historiadores e economistas, hesitam em chamar de extrema-direita parlamentares que pregam abertamente temas mundialmente associados com essa vertente.

A atenuação da classificação atrapalha a que o eleitor tenha nitidez quanto à inclinação dos seus eleitos, e contribuiu para “diluir” entre deputados e senadores com outras pautas e características aqueles que estão, e estarão mais ainda a partir do ano que vem, dispostos a avançar com projetos que colocam em xeque, por exemplo, as instituições democráticas.

O movimento que o PT quer liderar e incentivar é para isolar e reduzir ao máximo essa extrema-direita, não só para alcançar a necessária governabilidade no Congresso, mas também como forma de minar seu poder de continuar instigando setores consideráveis da sociedade a manter um estado de sublevação permanente capaz de obstruir estradas ou parar cidades com frequência capaz de emparedar o governo.


Vera Magalhães, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com