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A proximidade de uma guerra absurda

A proximidade de uma guerra absurda

A tensão entre Israel e Irã nos mantém alertas não apenas sobre a possibilidade de um conflito regional, mas de algo muito mais amplo, que envolva toda a humanidade.

Neste momento, considero muito interessante a reflexão do escritor Amin Maalouf no livro recém-lançado no Brasil “O labirinto dos desgarrados, o Ocidente e seus adversários” (Editora Vestígio, 332 páginas). Ele não é cientista político nem estrategista. É um escritor que não só tem coragem de afirmar o absurdo da guerra, como de devolver as qualificações de romântico ou ingênuo atribuídas aos que a consideram inevitável.

Creio que Maalouf, nascido no Líbano e vivendo na França, tem muitas razões para refletir bem sobre o Ocidente. Ele escreveu um livro sobre as Cruzadas mostrando como, nas Cruzadas, os europeus comiam crianças muçulmanas no espeto. Ele conhece também todos os horrores da colonização europeia na África, Ásia e em todos os outros lugares por onde ela se instalou. Mas seu conhecimento da História mostra também que o ódio sistemático ao Ocidente acaba desviando para a barbárie e para a autopunição.

Na comparação entre as duas guerras frias, a que terminou com o fim do Império Soviético e a atual, Maalouf compreende bem que países como Rússia e China, que, de certa forma, encarnavam a revolução no passado, representam hoje o campo do conservadorismo político, social e intelectual. Essa constatação parece não ter chegado à esquerda brasileira, mas isso é apenas um detalhe.

Uma das importantes conclusões do livro é que nem os ocidentais nem seus aliados são capazes de conduzir a humanidade para fora do labirinto em que ela se perdeu. Isso é verdade, pois nenhuma nação detém todas as virtudes e todas as respostas, muito menos o direito de dominar as outras.

Ele pensa que estaríamos realmente perdidos se acreditássemos que a humanidade precisa de uma nação hegemônica para liderá-la. Estaríamos condenados a torcer pelo que nos maltrata menos, tipo de opção que alguns países como o nosso são forçados a adotar no plano da política interna.

A estupidez de uma guerra mundial pode nos destruir. Mas é uma pena, pois temos grandes problemas comuns, como o combate à emergência climática, e grandes possibilidades de progresso por meio da evolução da medicina genética e mesmo da inteligência artificial, se conseguirmos controlar suas consequências. Apesar de parecer ingênuo, é necessário apostar na paz. Claro que, num confronto mundial, o Brasil, com suas raízes históricas e culturais, é um país do Ocidente e deve ficar ao seu lado.

Mas antes de tudo é necessário investir não só na paz regional no Oriente Médio, como em todos os lugares onde houver conflito. Os fundamentos de nossa política externa nos permitem isso. Há, porém, uma brecha entre os fundamentos e a prática, marcada até agora por frases infelizes e uma visão nostálgica da primeira Guerra Fria. A ideia de que existe democracia relativa na Venezuela ou democracia efetiva na China é apenas resultado de uma visão que não encontra nenhuma base no mundo real.

Na verdade, a democracia não é a única forma de governo. Não se pode universalizá-la com adjetivos, muito menos tentar levá-la a outros países na ponta da baioneta como os Estados Unidos fizeram em muitas ocasiões. O grande esforço intelectual do momento é dissecar todos os elementos de conflito no mundo e neutralizá-los.

Maalouf destaca um deles que contribui enormemente para envenenar o clima político. É o vínculo que estabelece entre religião e identidade, sobretudo nos países de tradição monoteísta. Os conflitos identitários que se baseiam em referências divinas acabam envenenando a História humana. Nesse ponto, há um reconhecimento da longevidade de Confúcio: para ele, o que importava era o comportamento do cidadão na cidade, e não suas preferências metafísicas.

Fernando Gabeira, jornalista e escritor

Fonte: https://oglobo.globo.com/