Em maio, o Estado revelou um esquema de distribuição de recursos públicos muito pouco transparente. Por meio das emendas de relator, o Executivo federal disponibilizava verbas para finalidades indicadas por parlamentares afinados com o Palácio do Planalto. O sistema era tão pouco transparente que, num primeiro momento, o governo Bolsonaro negou sua existência.
No entanto, mesmo depois de revelado, o esquema continuou em funcionamento, como instrumento para obter apoio político. Na semana passada, o Estado revelou o uso do mecanismo nos dias prévios à aprovação, em primeiro turno, da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados. Na véspera da votação, o governo Bolsonaro distribuiu, por meio de emendas, R$ 1,2 bilhão a deputados.
Diante de tal descaramento, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na sexta-feira passada, a suspensão integral e imediata da execução dos recursos oriundos das emendas de relator relativas ao Orçamento de 2021, até que o plenário da Corte se manifeste sobre o tema. Há três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 850, 851 e 854) questionando a constitucionalidade da prática.
Para Rosa Weber, o orçamento secreto é incompatível “com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”.
Na decisão, a ministra explicitou o caráter escandaloso desse sistema de distribuição de verbas públicas. Após negar a existência do mecanismo, o governo Bolsonaro tentou atribuir ares de normalidade à prática. “Causa perplexidade”, disse Rosa Weber, “a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas, bastando, para isso, a indicação direta dos beneficiários pelos próprios parlamentares, sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada.”
A liminar determinou também duas medidas relativas à transparência dos recursos públicos já distribuídos por meio das emendas de relator. Todos os documentos que embasaram a distribuição de recursos provenientes dessas emendas nos Orçamentos de 2020 e 2021 devem ser tornados públicos. Nos últimos meses, o governo Bolsonaro dificultou o acesso do Estado a documentos relativos à prática.
A segunda medida de transparência estabelece que todas as demandas de parlamentares referentes à distribuição de emendas de relator sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.
Na decisão, Rosa Weber lembrou que o Tribunal de Contas da União, ao julgar as contas do presidente da República de 2020, já havia detectado aumento expressivo na quantidade de emendas apresentadas pelo relator do Orçamento (523%) e no valor das dotações consignadas (379%), sem que fossem observados, no entanto, critérios de equidade ou de eficiência na escolha dos órgãos e entidades beneficiários dos recursos públicos.
Intransigente defensora da dimensão colegial da Corte, Rosa Weber pediu que a liminar fosse submetida a referendo do plenário do Supremo. A sessão virtual extraordinária encerra-se amanhã. É dever do STF fazer cumprir a Constituição, assegurando plena vigência aos princípios da transparência e publicidade no uso do dinheiro público. Num Estado Democrático de Direito, não cabe distribuição escondida de verba pública, menos ainda se é para comprar apoio político. A transparência é condição imprescindível para que haja controle.