As esquerdas em geral e o PT em particular entraram numa defensiva política e estratégica no início de 2015 e de lá não conseguiram
sair até agora. Mesmo com todas as sandices, destruições e auto crises produzidas por Bolsonaro, as esquerdas não conseguem sair das cordas. Colhem derrotas acobertadas pela fúria vazia da crítica à triste realidade que o Brasil e o seu povo estão submetidos. Mas é uma crítica impotente porque não gera fatos, não gera lutas. Mesmo com a revelação de todos os crimes cometidos por Moro, Dallagnol e outros membros da Lava Jato, os representantes dos partidos de esquerda não conseguem ir além da pesarosa indignação.
As direções dos partidos de esquerdas não dirigem e não se comunicam nem mesmo com os seus filiados. As queixas mais comuns de militantes e de filiados são as de que não recebem nenhuma orientação das direções. As esquerdas perderam a corrida para a extrema-direita no que diz respeito à ação política nas redes sociais. Mal sabem lidar com esses meios. Desde antes das eleições de 2014 a extrema-direita se articulava nessas redes, organizando grupos e recrutando adeptos, enquanto as esquerdas só recentemente se deram conta desse problema e ainda patinam tanto no seu uso, quanto na organização de grupos.
A partir de 2015 as esquerdas perderam as ruas, algo que já vinha sendo sinalizado desde 2013, e até agora não conseguiram recuperá-las e nem ter uma presença significativa. Enquanto se percebe uma direita ativista e militante, na militância da esquerda se observa desânimo e consternação, tudo fruto da falta de direção, de comando, de sentido e de estratégia. Repita-se: os líderes das esquerdas parecem generais sem exércitos e os militantes parecem exércitos sem generais.
Não se trata de criar uma dicotomia entre a luta institucional e a luta popular. Mas o fato é que as esquerdas, em regra e com algumas exceções, só sabem fazer a luta institucional. No Congresso, se tornaram a ala esquerda do centrão, a cereja do bolo de Rodrigo Maia. São uma linha auxiliar ingênua e enganada. Primeiro, os parlamentares de esquerda emitiram análises de que a reforma da Previdência não seria aprovada. Depois, comunicaram que ela não seria votada antes do recesso branco. Colheram uma avassaladora derrota porque não têm noção de como está sendo travada a luta política. Enquanto as esquerdas são afáveis com o centrão e com Rodrigo Maia, estes auxiliam Bolsonaro e Paulo Guedes, principalmente nas pautas econômicas.
A tática das esquerdas no Congresso parece ser a de criar uma ilusória frente ampla democrática. Não haverá uma frente ampla democrática se não for construída uma forte e respeitada frente popular. As esquerdas não conseguirão atrair setores do centro se não tiverem força na sociedade, se não forem capazes de gerar temor a partir da força e da organização popular.
Muitos dirigentes e parlamentares de esquerda são cristãos mansos. Assim se comportam diante do Judiciário. Parecem vê-lo como um senhor que deve ser obedecido e reverenciado com “temor e terror”. Mesmo com todos os açoites que receberam dele (especialmente o PT) recorrem mais ao STF do que ao povo. Ainda por cima, são maus cristãos: nem combatem o charlatanismo manipulatório e anticristão de muitos pastores e nem interagem positivamente com os evangélicos pobres das periferias para livrá-los do engano e dos falsos profetas. Este cristianismo manso não serve para as lutas do povo. É melhor adotar os ritos ferozes do paganismo combativo, que estimule as lutas, a valentia e a coragem. Esse cristianismo manso, como já advertia Maquiavel, também é responsável para que o mundo permaneça na mão dos malvados. O Brasil não se libertará da elite predatória sem o exercício bravo do combate.
As esquerdas caíram numa armadilha bolsonarista. Na medida em que os bolsonaristas passaram a atacar instituições como o STF e o Congresso, as esquerdas passaram a defendê-las e santifica-las. Ocorre que essas instituições não são democráticas: agem de forma enviesada e parcial contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra os índios e contra outras minorias. As esquerdas perderam a potência reformista, perderam a capacidade de denunciar a institucionalidade não democrática que existe no Brasil e não combatem com vigor os inúmeros privilégios que esta institucionalidade abriga e consagra.
Ninguém está aqui cobrando que se faça uma revolução. Até porque os partidos de esquerda não são e nem serão revolucionários. O que se está a exigir é que esses partidos tenham estratégias, que organizem e que lutem com coragem. O que se está cobrando é o até quando as esquerdas e as oposições deixarão que Bolsonaro continue destruindo o Brasil sem que haja uma resposta contundente. Até quando Bolsonaro pode vandalizar a educação básica e universitária, destruir o meio ambiente, investir contra a saúde pública, desmoralizar os institutos e entidades de pesquisa, degradar o bom senso e a civilidade, atacar o Nordeste, ferir a Constituição e as leis, semear o ódio e o divisionismo, espezinhar os interesses do Brasil submetendo-o de forma antipatriótica aos interesses do governo Trump. Até quando Bolsonaro seguirá nessa senda perversa sem que seja contido de forma firme, sequer seja seriamente molestado? As esquerdas e as oposições têm o dever de dar uma resposta a essas inquietações e sobressaltos de milhões de brasileiros.
O Brasil vive um terrível momento crítico, o mais terrível desde a redemocratização. As esquerdas e as oposições não podem continuar agindo como se o país vivesse num estado normal. Agir com normalidade é agir em cumplicidade com a destruição a que o Brasil está sendo submetido. Agir com normalidade é agir em cumplicidade com os ataques à razão, com a promoção aos instintos de ódio e de brutalidade que são estimulados por Bolsonaro e os seus.
Julgar que Bolsonaro é apenas alguém acometido por uma verborragia incontrolável e inconsequente e, portanto, inofensiva, é brincar com o perigo. Se não for contido de forma contundente, Bolsonaro e os seus continuarão numa escalada crescente de ataques verbais que, aos poucos, vão legitimando ataques efetivos, assim como as destruições já são efetivas. Os partidos de oposição têm o dever não só de se explicar. Eles têm o dever de agir, de dirigir, de apontar rumos e de lutar.
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política
https://www.brasil247.com