“A democracia não goza no mundo de ótima saúde, como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo. (Norberto Bobbio, 1984)”
Quando a luta pelo voto se acirra, as pesquisas eleitorais fazem gelar a espinha de candidatos ansiosos por números que revelem identificação com eleitores e consequentes apoios.
Há aqueles que dizem não acreditar, mas, assim que são divulgadas, correm para lê-la – os hipócritas. Há aqueles que dizem acreditar, mas não se dão ao trabalho de estudá-la – os alienados. Há aqueles que acreditam e debulham cada dado – os realistas.
Encomendadas por partidos, instituições financeiras, imprensa, sindicatos, elas têm peso na orientação do voto dos eleitores.
Suas revelações são comentadas em casa, no trabalho, na academia e no lazer, e as torcidas as tomarão quase como termo de posse ainda não redigido.
Assim viveremos até que o segundo turno das eleições coloque uma pedra sobre o túmulo de todas as especulações, ao anunciar a pesquisa que vale: o voto na urna eletrônica.
Como cidadão, desejo que as disputas sejam encenadas no palco das ideias. Que a plateia não descambe para violências físicas ou morais. Que os atores reconheçam a importância dos seus papéis e apresentem com clareza os projetos que orientarão suas ações.
Não tenho a inocência de acreditar que possamos modificar a forma como a política é conduzida em nosso país, apenas por meio de textos, falas, debates e campanhas.
Sem querer derivar a um lugar-comum, é preciso educar o povo para que ele possa identificar as suas ansiedades, comparar com promessas dos políticos e então escolher.
Aliás, a educação para a cidadania é uma das dívidas que a democracia tem com a sociedade, como registrou Norberto Bobbio em O FUTURO DA DEMOCRACIA (Paz e Terra, 2020).
Segundo o autor, nos últimos dois séculos – período de nascimento e amadurecimento da democracia – sempre esteve presente o argumento de que o único modo de fazer com que um súdito se transformasse em cidadão era o de lhe atribuir o direito de cidadania ativa.
A educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática.
Na década de 1980, ele asseverava, com certo temor, que a democracia não corria sério perigo. Desde então, as feridas foram sendo aprofundadas e a infecção se acelerou.
Stuart Mills dividia os cidadãos, do ponto de vista da atuação na sociedade, em ativos e passivos. Os governantes preferem os passivos. É mais fácil dominá-los por dóceis ou indiferentes.
Mas a democracia necessita dos primeiros, dos ativos. Dos que se permitem escutar outras propostas, dos que se permitem ser criticados e mesmo não concordando estimular o dissenso.
É a única maneira de transformar o ambiente social, fugindo da mitificação das personalidades públicas.
Voltemos ao tema inicial. Cada nova pesquisa pode servir de estímulo para o exercício da cidadania ativa. Da discussão, apaixonada sim, mas tendo por base a razão.
Segundo Bobbio, para ter cidadãos ativos serão necessários ideais. O ideal da não violência, o ideal da renovação gradual da sociedade e o ideal da tolerância.
O da tolerância, ao meu juízo, mais importante no momento. Se existe uma ameaça à paz mundial (e não falo apenas de conflitos bélicos), ela vem do fanatismo, da crença cega na onisciência e única verdade.
Bobbio, hoje, estaria frustrado com a deterioração da democracia. As ulcerações no seu tecido estão abertas e sanativos não eficazes levarão a paciente à UTI.
A campanha sanitária deve ser preventiva e não admite postergação. Basta ver como os demônios se transformam em anjos ao simples clicar da tecla “enter”. Atenção, portanto, às pesquisas. Os demônios não deixarão de ser anjos, mas anjos do mal.
Paz e bem!
Otávio Santana do Rêgo Barros. General de Divisão da Reserva