Os EUA terão eleição este ano num clima de desânimo. De um lado, uma sociedade insatisfeita e, de outro, a incapacidade de renovação da política. Os partidos rivais não conseguiram construir candidaturas competitivas alternativas a Donald Trump e Joe Biden.
Nutre-se, assim, a polarização, que por sua vez, dificulta a construção de consensos necessários para atender aos anseios da sociedade, hoje mais complexa. Que o Brasil não siga o mesmo caminho.
O desconforto da sociedade é revelado em pesquisas de opinião e nos indicadores de confiança. O baixo desemprego (3,7% em dezembro ante 14,9% no auge da pandemia e média histórica de 5,7%) e o recuo da inflação (3,3% ao ano em 2023 ante 8,9% em meados de 2022) não têm trazido maior satisfação aos indivíduos.
Afinal, não basta ter trabalho; as pessoas anseiam também por melhor qualidade de vida, igualdade de oportunidades e justiça.
O indicador de confiança do consumidor até aponta algum otimismo no curto prazo (o subíndice “situação presente” está em 148 pontos, ante média histórica de 100 pontos e pico de 187 pontos em julho de 2000, na gestão Bill Clinton), mas isso não se traduz em melhores perspectivas para os próximos meses (o subíndice “expectativas” tem oscilado em torno de 77 pontos, ante média histórica de 91,5 pontos). O descasamento está em níveis recordes.
A pesquisa Gallup traz outro ângulo do descontentamento: a desconfiança nas instituições. Apenas 27% das pessoas confiam na Suprema Corte (o pico foi 56% em 1988); 8% confiam no Congresso (42% em 1973); 26% confiam na Presidência (72% no início de 1991). O sentimento atinge ainda jornais (18%), grandes negócios (14%) e escolas públicas (26%), que também exibem aprovação em queda nas últimas décadas.
O mal-estar social não é de hoje e não parece descolado da economia. Alguns indicadores econômicos dão pistas da insatisfação. A remuneração dos trabalhadores (corrigida pela inflação) tem aumentado menos do que os ganhos de produtividade do trabalho (produção por hora trabalhada). Entre 1985-2022, o rendimento real aumentou em média 0,4% ao ano, enquanto a produtividade cresceu em média 1,9% ao ano.
Como resultado, a participação dos salários no PIB teve um recuo relevante entre 1970 (51,6%) e 2013 (42%), com recuperação muito modesta nos últimos anos (43,1% em 2022). Enquanto isso, a distribuição de renda piorou desde os anos 1980, com pequena melhora em 2022, mas decorrente do achatamento da renda dos grupos do meio e do topo, e não do aumento da renda dos mais pobres.
Não se trata, portanto, de algo novo, ainda que a crise financeira (do subprime) de 2008 tenha piorado bastante os indicadores econômicos citados e recrudescido a insatisfação social, como aponta Luigi Zingales.
Parece justo, pois, afirmar que os EUA necessitam de renovação na política. Em que pese a solidez democrática daquele país, chama a atenção a incapacidade dos partidos de promoverem uma renovação nos seus quadros, de forma a permitir uma corrida presidencial arejada este ano.
Falta, de lado a lado, um olhar para a insatisfação da sociedade. E aqui não há grandes diferenças entre eleitores dos partidos Democrata e Republicano.
Apesar da maior blindagem da economia americana ao ciclo político, o quadro atual de polarização dificulta o enfrentamento de problemas que afetam a sociedade. No ano passado, a agência de classificação de risco Fitch reduziu a nota de crédito de longo prazo dos EUA, por conta da deterioração fiscal, citando os repetidos impasses no Congresso para a elevação dos limites de dívida.
Apontou ainda o enfrentamento insatisfatório de questões como saúde pública e seguridade social diante do envelhecimento da população.
O quadro no Brasil guarda algumas semelhanças, certamente agravado pela renda per capita muito menor e a pior distribuição de renda. A necessidade de reformas estruturais é muito maior aqui, e o ciclo político tem maior efeito na economia. Por esse aspecto, a renovação da política ganha importância ainda maior.
Está cedo para discutir os nomes de candidatos para 2026. Ainda assim, um quadro em que não se vislumbre a construção de novas candidaturas, mais conectadas aos novos anseios da sociedade e de modo a reduzir a polarização extrema, poderá trazer desânimo, aos mercados e à sociedade.
Zeina Latif, economista brasileira
Fonte: https://oglobo.globo.com/