Por 14 votos contra 12, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o Projeto de Lei que autoriza o funcionamento de cassinos, jogo do bicho, bingos e outras modalidades de jogos de azar no Brasil. Como o projeto já passou pela Câmara, falta só o voto do plenário dos senadores para que ele vá à sanção de Lula, restabelecendo a legalidade da jogatina no país.
O projeto não foi apreciado pela Comissão de Segurança Pública. Isso acontece enquanto abundam as notícias da expansão do crime organizado em Pindorama. Facções criminosas infiltraram-se nas redes de transportes de diversas cidades, controlam negócios que vão do tráfico de drogas a postos de gasolina.
Há dias os repórteres Bernardo Mello e Rafael Soares mostraram que o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho disputam o domínio do mercado de apostas legais no Rio, no Ceará e em Rondônia. Em abril, a Polícia Federal prendeu operadores dessa conexão, e eram um sobrinho e uma cunhada do notório Marcola, um dos chefes do PCC. Aquilo que se presume ser um mercado de apostas legalizado tornou-se um biombo para alimentação de organizações criminosas metidas com o tráfico de drogas e de armas. Segundo a Polícia Federal, apenas numa rede de 20 investigados foram movimentados R$ 301 milhões.
Num país onde o crime organizado vem avançando, mesmo sobre setores de jogo legalizados, expandi-lo é, no mínimo, uma temeridade.
No Congresso, arma-se o retorno da jogatina em nome do turismo e de um argumento falacioso e cínico, segundo o qual, mesmo sendo ilegal, o jogo existe. O aborto também é ilegal e existe, mas uma parte de um Congresso que se diz conservadora quer liberar o jogo, reprimindo a interrupção da gravidez de mulheres estupradas.
A volta da jogatina já foi estimulada por Jair Bolsonaro e pelo ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella. Fazem isso sempre com os melhores argumentos, como se as bancas de jogos viessem a ser administradas por filantropos. Até agora, todas as brechas abertas para o jogo resultaram em expansão do crime. Estão aí as brigas de quadrilhas pelo controle das casas de apostas.
Em 2018, Jair Bolsonaro encontrou-se com o bilionário americano Sheldon Adelson, magnata dos cassinos de Las Vegas e da Ásia. Entrou e saiu pela cozinha do hotel Copacabana Palace. Dias depois, disse que tinha uma ideia para aumentar a arrecadação.
O governo Lula 3.0 já gastou mais verbo com a guerra na Ucrânia do que com a possibilidade da volta da jogatina. O crime organizado é combatido com planos mirabolantes. Enquanto isso, tratam da volta do jogo com solene silêncio. Inquéritos relacionados com assassinatos, incêndios e intimidações estão à disposição de todos nos arquivos da Polícia Federal. E não se trata de brigas de contraventores. São bandidos farfalhando em torno do que há de jogo legal. Discutir o tema é a melhor forma de jogar luz sobre seus riscos.
Bicheiros matando pelo controle de pontos são cenas de um passado que ainda persiste, mas o que prevalece nos dias de hoje são organizações criminosas dominando áreas de cidades e também disputando o controle de casas ou plataformas de apostas legalizadas. Os segmentos dos jogos que foram legalizados tornaram-se um bom negócio para o crime, a Polícia Federal que o diga.
Elio Gaspari, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/