Javier Milei prometeu renovar a política e eliminar os privilégios da “casta”. Eleito, estreou na Presidência da Argentina com um ato de nepotismo.
Desde 2018, um decreto proibia a nomeação de parentes de altos dirigentes do serviço público. No primeiro dia de governo, o presidente mudou a regra para beneficiar a irmã caçula.
Karina Milei foi dona de borracharia e planejou abrir uma loja de bolos. Visionária, trocou doces e pneus pelo marketing político. Ela ajudou o irmão a compor a imagem de rebelde, com jaquetas de couro e cabelo despenteado. Agora será a personagem mais poderosa da Casa Rosada.
Milei havia garantido que a irmã não teria cargo nem salário no governo. A pirueta não parece um acidente de percurso. O presidente prometeu transparência, mas nomeou os ministros numa cerimônia secreta. Acusou os rivais de se apropriarem do Estado, mas mandou cunhar a imagem de seus cães no bastão presidencial.
Ontem o governo anunciou um pacote econômico, que já ganhou o apelido de “Plano Motosserra”. O receituário segue a cartilha ultraliberal. Inclui aumento de impostos, corte de investimentos e uma maxidesvalorização da moeda. Ainda prevê a eliminação de subsídios, o que elevará o preço da luz, do gás e do transporte público.
No discurso de posse, Milei admitiu que as medidas devem elevar a inflação e produzir “impacto negativo” na economia, no emprego, no salário e no número de pobres e indigentes. Mas afirmou que no médio prazo a situação “começará a melhorar”. “Será o último mal-estar antes da reconstrução da Argentina”, prometeu.
O presidente não mentiu ao dizer que recebeu uma herança maldita. O kirchnerismo deixou um legado de inflação e desequilíbrio das contas públicas. A situação foi agravada pelo congelamento artificial de preços para tentar eleger o candidato da situação.
A questão é saber se o radicalismo de Milei vai resolver a crise ou se vai agravá-la. Ontem o anúncio do pacote atrasou duas horas, o que expôs o improviso e a falta de clareza sobre a extensão e o impacto das medidas econômicas.
O presidente não quis ser o porta-voz do arrocho e do tarifaço. Escalou o ministro Luis Caputo, um ex-executivo de bancos que ele próprio acusou, na campanha, de ter torrado as reservas do país.
Bernardo Mello Franco, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/