Ao responder uma pergunta feita em evento com seu público interno, questionando a chapa com Geraldo Alckmin, o ex-presidente Lula cunhou mais uma terminologia no cenário político, reveladora de sua estratégia para 2022. Lula respondeu que busca uma frente ampla contra o “dorismo”.
Com uma expressão aparentemente restrita ao adversário tucano João Dória, que não o preocupa eleitoralmente e nem tem dimensão para incorporar uma corrente política, registrou a fotografia de um momento tático em que não visa o sujeito da frase, mas seus desafetos internos, que constituem o PSDB original.
Reproduz dessa forma o script da frente liberal construída a partir da dissidência na base de sustentação do governo militar, que levou à eleição de Tancredo Neves. O ex-presidente tem em Geraldo Alckmin, hoje, o Sarney de ontem, elemento de ligação em uma aliança em que desiguais justificam a união pela luta contra o inimigo maior.
As circunstâncias são outras, mas conservam características comuns quando o ex-presidente passa a mensagem subliminar de que o país está novamente sob o jugo de um governo militar, ainda que eleito. Lula, no entanto, usa sua absolvição e os questionamentos judiciais sobre Sérgio Moro, para firmar a narrativa de que sua exclusão em 2018 fez daquela eleição um 64 repaginado. Ou seja, um golpe em nova versão.
O “dorismo” é uma senha como foi o “malufismo” para identificar o verdadeiro adversário contra o qual todos devem lutar. Visa a isolar o segmento que já não reflete o ambiente ideológico originalmente traduzido nas metas e programas de um PSDB cujos fundamentos socialdemocratas sumiram na poeira do tempo e sobrevive apenas fragmentado.
Em um cenário micro, o PSDB é para o PT hoje o eixo de uma frente democrática que teve na eleição de Tancredo o PFL nesse papel, resguardadas as diferenças históricas. Como o PFL de então não aceitou Maluf, o PSDB hoje não aceita Doria. Ambos racharam pela mesma razão. O que Lula faz quando cria o dorismo é uma analogia à qual tenta dar vida, denunciando o candidato oficial tucano como um nicho bolsonarista na legenda.
Com isso, isola mais ainda Bolsonaro e agrava as dificuldades do governador de São Paulo na convenção do PSDB em junho, quando a continuidade de sua candidatura será condicionada à situação nas pesquisas. Esta, por sua vez, é a cada dia mais subestimada.
Dória calculou sua força eleitoral na gestão acertada de seu governo na pandemia, fixando-se como a antítese de Bolsonaro no esforço de vacinação, achando que isso lhe garantiria o protagonismo oposicionista.
Mas sua estagnação nas pesquisas levou alguém à síntese de que ganhou como gestor, mas perdeu como político, por vincular precipitadamente uma ação de saúde elementar à candidatura presidencial.
Trocando em miúdos, o governador paulista passou a ideia de que abraçou a vacinação por interesse eleitoral, embora aqui se trate de imagem e não necessariamente de realidade. Há diferença, como se sabe em política, entre o que se pretende transmitir e sua recepção. E absorção pela população.
Lula prepara-se para a conversa decisiva nesse processo com Fernando Henrique Cardoso, que ainda não ocorreu pela condição de saúde do ex-presidente, em recuperação de saúde que, além da Covid, lhe impôs severa reclusão. Embora FHC tenha renovado o apoio a Doria, até a convenção nada é definitivo.
Mas são sintomáticos os efeitos favoráveis que obteve, até aqui, junto a tucanos de alta plumagem, como Aloysio Nunes Ferreira, para não falar do próprio Alckmin. O que está em jogo agora, antes de tudo, é São Paulo, joia da coroa sempre cobiçada pelo PT.
Lula tem o dom da dissimulação política, ausente no PT, mas presente nas suas ações, com força para arrastar o partido. Eleitoralmente, quando se trata da Presidência da República, o PT continua dependente de sua figura histórica o que o condena à sua liderança.
O ex-presidente mantém no palco a disputa territorial menor, de Pernambuco, quando seu alvo é São Paulo.
Não é possível afirmar se a estratégia de Lula o premiará com a vitória e o retorno ao Palácio do Planalto. De certo, é possível afirmar que ele enxergou e começou a construir esse caminho desde a primeira e decisiva absolvição e trabalha para ser a única via.
O cenário serve para outra reflexão: o momento impõe a atenção total na movimentação dos atores políticos, que deve ser priorizada em relação a uma busca de visão futura dos planos de recuperação econômica, porque esta depende daquela.
João Bosco Rabello, jornalista
Fonte: https://www.metropoles.com