O IBGE revelou, na semana passada, os resultados do PIB brasileiro para o segundo trimestre do ano e os números foram muito ruins, com uma queda de 9,7% no segundo trimestre frente ao primeiro. Também foi divulgada uma revisão (usual) do desempenho deste mesmo primeiro trimestre em relação ao último de 2019 e nesta revisão verificou-se que a queda anunciada anteriormente (-1,5%) foi ainda mais intensa, de 2,5%, contrariando a opinião do Ministro da Economia publicada há alguns meses, quando ele afirmava que a atividade no País foi pega pela pandemia justamente no momento em que começava a decolar.
Com esta medida do primeiro semestre concluída, já se tem uma idéia do tamanho do estrago e do esforço a se fazer para recuperar a produção perdida. Daqui para frente os números serão naturalmente positivos, uma vez que a pandemia perde força e as atividades dos diversos setores vão sendo retomadas. Os indicadores que se têm até agosto já dão conta desta nova etapa, mas a questão mais importante agora é tentar medir a intensidade da retomada, seu fôlego e quanto tempo levará para chegarmos novamente ao nível anterior à paralisação. Sempre lembrando que no início deste ano tínhamos um nível de PIB 4,6% inferior ao do início de 2014, antes do último período recessivo. Ou seja, entramos num novo buraco sem ter saído do anterior.
Os números do IBGE também mostraram que a taxa de poupança privada aumentou neste período de reclusão, em linha com o que já se observava sobre os depósitos no sistema financeiro e nas pesquisas domiciliares, em que até mesmo parte dos valores do auxílio emergencial foi desviada para aumentar a poupança das famílias, numa flagrante distorção do objetivo do programa. Este aumento da poupança privada, de famílias e empresas, entusiasma alguns analistas que esperam o direcionamento destes recursos para novos gastos, ajudando a revigorar o PIB. Se isto for verdade, a retomada será mais rápida, consubstanciando um formato em “V”, ou seja, a queda abrupta da atividade neste primeiro semestre de 2020 seria sucedida por uma recuperação igualmente forte.
Pelo menos outras duas variáveis ajudam estes analistas a construir esta hipótese otimista. Uma é a diminuição da inadimplência que ocorreu nos últimos meses, em parte por famílias que não tiveram perda de renda no período e em parte pelo uso de recursos extraordinários, como saques do FGTS e, novamente, pelo emprego de parcelas do auxílio emergencial. Inadimplência menor implica mais gente com capacidade de recomeçar um ciclo de consumo e endividamento.
Outra variável apela para registros históricos. A população brasileira já demonstrou diversas vezes que tem alta propensão ao consumo, e sempre que se vê com dinheiro na mão, direciona-o rapidamente para as compras, seja por necessidade, no caso das camadas de mais baixa renda, seja por hábitos culturais, no caso de famílias com rendas médias ou altas. Esta observação é referendada por registros históricos desde os tempos dos planos de estabilização, como o Cruzado (1986) e o Real (1994), em especial se o período do gasto com consumo for antecedido por momentos de privação, como a recessão do início dos anos 1980 e a perda de poder de compra devida à inflação elevada anterior ao Real. Se a política econômica propiciar crédito suficiente e com juros baixos, a expansão do consumo estaria garantida.
Juntando as pontas – poupança aumentada, inadimplência reduzida, propensão a consumir e crédito –, o aumento do consumo estaria “contratado” para a virada do ano, quando se supõe que as condições sanitárias seriam favoráveis, talvez até com a chegada da vacina. A parte da poupança que se refere às empresas não teria um destino tão favorável ao aumento da atividade, via investimentos, visto que elas têm trabalhado com uma razoável folga de capacidade produtiva e não se entusiasmariam tão facilmente com a retomada; esperariam um tempo para sentir se o movimento é realmente firme.
Para se opor aos otimistas, um bom número de analistas vê o futuro imediato com mais cautela. Mesmo admitindo o histórico de bons consumidores da população brasileira, a queda brusca do PIB e as mudanças nas relações de trabalho e nas relações sociais não permitiriam uma adaptação direta dos costumes passados para o presente, sobretudo quando se leva em conta a (in)segurança do emprego e da renda. O avanço do trabalho remoto e algumas alterações estruturais no funcionamento de vários mercados, inclusive com trocas de posições de empresas em rankings setoriais, seriam suficientes para gerar um grau de incerteza muito grande nos consumidores.
Assim que esta poupança forçada dos últimos meses adquiriria um caráter de “poupança precaucional”, ficando guardada para atender mudanças inesperadas na vida das famílias, não se direcionando ao consumo. Além disso, é claro que o impacto da retirada do auxílio emergencial para as camadas de baixa de renda será grande e deve se refletir em vários mercados de bens não duráveis, como alimentação, bebidas e vestuário. Tanto mais se tivermos em conta que o dólar mais caro já está cobrando seu preço em diversas cadeias produtivas destes bens voltados ao consumo de primeira necessidade.
O início de 2021 vai nos dizer quem, nesse debate, se aproximou mais da realidade, os otimistas ou os cautelosos. E se teremos impulsos mais intensos ou menos intensos ajudando a retomada de parte do que se perdeu de produção de bens e serviços nestes últimos seis anos, desde o início de 2014, quando começamos o longo mergulho no ambiente que alterna recessão e fraco crescimento. Me inclino a fazer parte do grupo dos cautelosos.
Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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