Historicamente o conceito de revolução, entendido como a ruptura da ordem vigente e a construção de algo novo, está associado a esquerda. Já a direita sempre foi vista como conservadora no sentido da manutenção do status quo. O documentário “Four Hours at the Capitol” de Jamie Roberts sobre a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, por uma horda de trumpistas enfurecidos, evidencia a existência atual de uma “direita revolucionária” que pretende derrubar o sistema e suas instituições democráticas.
Esse seria um traço comum entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, como destacou em recente artigo o historiador Gabriel Trigueiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No caso da invasão do Capitólio, a direita rebelada agiu como se estivesse realizando o seu “assalto ao palácio de Inverno” ou derrubando a Bastilha. Uma das palavras de ordem dos invasores era “1776!”, numa alusão à data da Independência dos Estados Unidos. Estariam, portanto, realizando a segunda revolução americana, desta vez contra a democracia mais antiga e consolidada do mundo ocidental. Ao se entregar, em novembro, ao FBI, o ideólogo desta direita jacobina, Steve Bannon, jactou-se: “vamos derrubar o regime de Biden”.
No Capitólio desfilaram figuras que lembram os brasileiros Zé Trovão, Sara Winters, Daniel Silveira, os irmãos Weintraub e outras expressões do braço mais radical do bolsonarismo.
Fora a invasão do Capitólio, são muitas as semelhanças entre o 6 de janeiro norte-americano e o que ocorreu no nosso 7 de Setembro. A começar pelo questionamento à lisura do sistema eleitoral. No Dia da Independência os jacobinos do bolsonarismo, revolucionários radicais e extremistas, estiveram a um passo de promover uma ruptura democrática.
No caso dos Estados Unidos, os trumpistas invadiram o parlamento insuflados pela pregação de Donald Trump, segundo a qual foi roubado na última disputa presidencial. O mesmo questionamento fez Bolsonaro, ao alegar que a urna eletrônica não é confiável e insuflar seus militantes contra o sistema eleitoral brasileiro. O volta do voto impresso foi uma das bandeiras do 7 de Setembro bolsonarista.
Hoje a temperatura baixou em decorrência do ingresso do Centrão no condomínio governista. Mas pode subir com a aproximação da eleição, diante da eminência da derrota de Bolsonaro.
Voltando ao documentário “Four Hours at the Capitol”. Para os manifestantes, eles são o povo, roubado por um sistema político que julgam apodrecido. E seu líder, Donald Trump, ungido por Deus para regenerar o país.
Os salvacionistas acreditam na ideia da existência de um mito condutor do rebanho que os guiará na travessia de um mar Vermelho. É o que está presente na cabeça dos radicais no culto a Bolsonaro. Ele mesmo disse por diversas vezes ter uma missão divina a ser cumprida aqui na terra. Assumiu o governo com a ideia de “descontruir muita coisa, antes de construir”.
Há uma aparente contradição no perfil da nova direita radical.
Do ponto de vista dos valores, ela é conservadora na defesa da família, da religião, do armamento, da “moral e dos bons costumes”, e é dotada de um anticomunismo quase patológico.
Mas é “revolucionária” na forma, no sentido da destruição do sistema político e das instituições democráticas.
Radicaliza até as últimas consequências o conceito da liberdade individual, mesmo quando esse direito entra em choque com o direito coletivo.
A emergência de um “jacobinismo” de direita não é um fenômeno restrito aos Estados Unidos e ao Brasil. Essa tendência esteve presente no Brexit da Grã-Bretanha e na onda-nacional populista que varreu a Europa e levou a extrema-direita ao poder em vários países. Sua face mais recente é o movimento anti-vacina ou contra medidas sanitárias, como distanciamento social e uso de máscaras.
Na Áustria 50 mil pessoas foram às ruas para protestar contra a vacina e existiram manifestações com o mesmo objetivo na Alemanha, Polônia e Suíça. Os protestos são cada vez mais violentos – na Alemanha a polícia descobriu uma conspiração para assassinar o primeiro-ministro da Saxônia.
A onda existe também nos Estados Unidos. E no Brasil é insuflada pelo presidente da República, por exemplo na sua recente cruzada contra a Anvisa por ter aprovado a vacinação de crianças a partir de cinco anos. Isso já acontece nos Estados Unidos, no Canadá e em Israel. Mas, para manter sua base mobilizada, Bolsonaro distorce fatos e divulga informações falsas, pondo em risco a vida de diretores e técnicos da Anvisa, alvos de ameaças.
Pode até ser rupturista, mas a direita jacobina é, por natureza, antidemocrática e retrógrada. Afinal, não há nada mais obscurantista do que o movimento anti-vacina.
E a reação desta turma a uma eventual derrota de Bolsonaro nas urnas é uma incógnita.
Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação e da Câmara Brasileira do Livro
Fonte: https://www.metropoles.com