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A difícil relação de Bolsonaro com a democracia

De volta à Casa onde deu expediente por 28 anos, a Câmara dos Deputados, na última segunda-feira o presidente

Jair Bolsonaro exibiu mais uma vez suas peculiares concepções sobre a democracia. Diante de um plenário fardado, em sessão que homenageou o Comando de Operações Especiais do Exército, saudou como feliz “o país que tem umas Forças Armadas e forças auxiliares comprometidas com a democracia, mesmo com sacrifício da própria vida e reputação”. Prosseguiu: “É o preço que pagamos para que o Brasil tenha um povo que possa seguir seu destino.” E arrematou: “É a esse povo que nós devemos a absoluta lealdade; respeitamos todas as demais instituições.”

O presidente, em apenas uma frase, mostrou ter uma relação ambivalente com a democracia, apesar das quase três décadas como parlamentar. Atribui aos militares um papel redentor — até reconhecendo o estrago provocado na imagem das Forças Armadas depois de 21 anos no poder — e deixa as instituições republicanas em segundo plano ao repetir que é ao povo que deve lealdade máxima. São palavras reveladoras de um pensamento tipicamente autoritário, quase caricatural, do chefe seguido pelas massas amparado pelo aparato militar pronto a agir sob seu comando.

O discurso presidencial se torna ainda mais grave quando ocorre dias depois de seu governo ter obtido uma expressiva vitória na Câmara, com os 379 votos dados em favor da reforma da Previdência. Em vez de reforçar o papel do Parlamento, prega uma relação direta com o povo. Avesso ao debate e à política, prefere governar por decretos — já assinou 254 desde a posse, média de 42 por mês.

É a mesma mentalidade reveladora da falta de apreço a valores democráticos e republicanos que o leva a indicar o próprio filho para um dos mais altos postos da diplomacia nacional, o de embaixador brasileiro em Washington. O candidato exalta suas aptidões para a função lembrando que fritou hambúrgueres. Com o gesto, Bolsonaro ignora a tradição e o respeito que o Itamaraty conquistou em 198 anos de existência e dá uma rasteira em servidores públicos que se prepararam para chegar ao topo da carreira. É a cereja no bolo de um comportamento que só faz aumentar o nível de insegurança e desconfiança com os rumos de seu governo.

Os 13 milhões de desempregados precisam desesperadamente dos bilhões em investimentos prometidos pelo ministro Paulo Guedes. E não será mais possível atribuir ao Congresso atrasos com a reforma da Previdência, vendida como marco inaugural de uma nova era. Ela é fundamental, mas não vai salvar o Brasil. Vai sair, apesar de Bolsonaro e graças a Rodrigo Maia e ao Centrão — demonizado em verso e prosa pelo governo, mas cujos votos são essenciais a qualquer governo.

No primeiro semestre, o país viveu uma espécie de parlamentarismo branco, com o Congresso dando as cartas. Esse regime híbrido ganhou corpo graças à rejeição do presidente à política. A disposição de Bolsonaro, pelo menos retórica, não parece ter mudado. Ele só precisa combinar com o povo.

Jornalista

Fonte: https://osdivergentes.com.br