A dura e triste experiência que vivemos com a pandemia pode ser diferente no futuro, mas depende de precauções desde já. A ciência nos alerta para uma certeza que devemos encarar – novas pandemias virão. Apenas não se sabe quando. Os cientistas já estabeleceram mecanismos de vigilância para identificar rapidamente um novo vírus pandêmico e evitar a reação atabalhoada à covid-19, devido ao despreparo. Contudo, os governos também precisam investir em prevenção a novos desastres econômicos e sociais.
A ausência de sistemática e de alinhamento entre políticas públicas que coloquem dentro do orçamento as pessoas em situação de vulnerabilidade evidenciaram cenas que não podemos tolerar. Gente se amontoando para disputar restos de alimentos, ossos de carne bovina e sobras de carcaça de peixe é imagem com que nenhum governante deve dormir, sem buscar ativamente um conjunto de soluções.
Sabemos que a fome é um problema de natureza política e econômica, que demanda providências obrigatórias do Estado. Mas na pandemia ela foi ao extremo. A agudização expôs uma fratura social gigante e, como na ciência, uma certeza: as gestões públicas precisam mudar a maneira de lidar com a realidade da população de baixa renda e passar a inseri-la nas prioridades orçamentárias. Mais que possível, esta é uma decisão política em que, além dos mais fragilizados, todos ganham – a população em geral e a própria gestão.
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional trouxe, em dezembro passado, dados que nos apertam o peito em grande desconforto, e aumentam a responsabilidade dos gestores – 55% dos brasileiros foram impactados pela insegurança alimentar. O auxílio emergencial conteve um percentual maior. A questão é por quê governantes esperam o inimaginável para, só então, partirem açodados para iniciativas emergenciais, mais caras, e que apenas tapam o sol com a peneira? Repito: é possível, e é diligente trabalhar com planejamento.
Junto a projetos agrícolas que fomentem soberania alimentar, a política de transferência de renda básica aos cidadãos é moeda que vai para o povo, e volta positivamente também aos cofres da gestão pública. Em nossa cidade, Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, fortalecemos programas econômicos e sociais durante a crise, mas uma base já havia sido plantada com a decisão de praticar a transferência de renda desde 2013 – portanto, três anos antes de o município dispor de receitas de royalties do petróleo.
A renda transferida virou um colchão que já protegia quem mais precisava, e apenas reforçamos a ação. O resultado foi uma injeção de R$ 300 milhões na economia da cidade com as mumbucas, nossa moeda social para gastos locais. A roda girou e, a partir daí, a formalidade aumentou, a empregabilidade cresceu 12% no primeiro semestre de 2021, e a arrecadação saltou a R$ 372,7 milhões nos oito primeiros meses deste ano – em plena pandemia, quando a maioria dos municípios brasileiros registrou queda.
A transferência de renda básica como regra permanente, e não no desespero de emergências, protege o pequeno comércio e dá oportunidade de empregos aos milhares. É inequívoco que o Brasil precisa urgentemente de uma política de Estado para transferir renda de forma permanente, e evitar que a fome exista e seja avassaladora nos momentos em que o país se depara com situações drásticas, como da crise sanitária. Sem a garantia desse colchão, a roda gira em direção contrária, suga a economia e as pessoas que mais precisam para um buraco, de onde é muito mais difícil sair depois.
Cuidar da segurança alimentar com projetos agrícolas é outra missão óbvia e que toda administração pública pode e deve realizar. Em nosso município, temos uma Fazenda Pública que produz alimentos orgânicos, distribuídos nas merendas das escolas, no restaurante popular, e aos populares, quando a colheita é maior. Em uma praça pública, plantamos vegetais sem agrotóxicos e qualquer morador pode ir até lá colher o que deseja. Insisto: é possível fazer, há dinheiro para fazer. O que falta ao país é a decisão de prioridade para fazer.
Necessidades elementares à vida das pessoas não podem ser pautadas sem a devida responsabilidade, como na decisão de criar o Auxílio Brasil, declará-lo permanente, mas não apontar a fonte de recursos para bancá-lo. Isso é uso de notícia falsa com o desespero alheio. É preciso pôr em prática a alma na política, a empatia. O efeito é de ganha-ganha. E o prazer por realizar é até difícil de mensurar. É fundamental colocar o povo no orçamento de mais cidades, estados e do país, porque todos têm condições de prosperar juntos.
Fabiano Horta é prefeito de Maricá