Nada tem de surpreendente o resultado mais surpreendente da pesquisa telefônica do Datafolha divulgada esta semana. O número de 59% de entrevistados contrários a que Bolsonaro renuncie ao cargo, pelo modo como conduz a crise do coronavírus, que a Folha de São Paulo trouxe em manchete da edição de domingo passado, quer dizer pouco.
Antes de prosseguir, uma observação metodológica. Hoje, é impossível fazer entrevistas presenciais e é justificada a opção do Datafolha de realizá-las por telefone (além de ser melhor que aplicá-las na internet). De onde não se deduz, no entanto, que, mesmo agora, toda questão de opinião pública possa ser pesquisada dessa maneira. Intenções de voto e outros temas políticos, por exemplo, a respeito dos quais há abundante evidência de que mantêm estreita correlação com a renda das pessoas (que, por sua vez, condiciona o acesso e o uso da telefonia, incluindo a celular), não estão entre essas. O Datafolha tem consciência dessa limitação, tanto que acrescentou uma “nota técnica” alertando para a baixa cobertura da pesquisa: “(O método telefônico) torna mais difícil o contato (...) especialmente com os estratos de baixa classificação econômica”.
Tucanês à parte, isso quer dizer que a pesquisa capta mal a opinião das pessoas pobres. Daí, a matéria induzir ao erro: a pesquisa não permite afirmar que “os brasileiros são majoritariamente contrários a um pedido de renúncia”, pelo simples fato de que “os estratos de baixa classificação econômica” não foram adequadamente ouvidos.
Mesmo se aceitarmos a conclusão, há duas considerações a fazer. A primeira é que, pelo que as pesquisas internacionais estão mostrando, nada há de notável no resultado brasileiro. Ao contrário, os números do Datafolha para o capitão tendem a estar abaixo do padrão de outros países. A segunda tem a ver com o momento e o modo como as perguntas foram postas aos entrevistados.
Nesta altura da pandemia, respeitadas as diferenças entre os países, as pesquisas sugerem que o que prevalece é a insegurança da sociedade, o que leva as pessoas a preferir o concreto e o conhecido ao abstrato e desconhecido. Trump, Bolsonaro, qualquer um, por mais despropositadas sejam suas ações e mais ridículas suas posições, são melhor que ninguém ou alguém que “não está no leme”, mesmo que não saibam conduzi-lo.
Olhando os lugares para os quais dispomos de dados, o que vemos é que o status quo sempre está bem. Não faz diferença se um governo age com competência, se um governante mostra-se capaz de responder aos desafios atuais. Esquerda ou direita, tontos ou equilibrados, mentirosos ou verdadeiros, aptos ou inaptos, todos estão sendo aprovados. Em muitos casos, ao que parece, apenas porque são o que há.
Como explicar, a não ser pelo receio das pessoas de mexer nas coisas, a performance de opinião pública de um Trump? Por que razão seus números subiram, apesar dos grosseiros equívocos de condução, unanimemente apontados por quem entende do assunto? Por que o primeiro-ministro do Canadá, que agiu desde o início de maneira exemplar, está com a mesma popularidade do americano? Por que Boris Johnson, que não soube escolher o caminho a adotar, tornou-se o mais bem avaliado chefe de governo do Reino Unido nos últimos dez anos? Por que Giuseppe Conte e Emmanuel Macron estão com aprovação semelhante, se um errou na Itália e o outro acertou na França?
Os tais 59% de brasileiros do Datafolha, que não querem que Bolsonaro renuncie, não são tão diferentes da maioria das pessoas do resto do mundo. Não há qualquer mérito na performance do capitão e assemelhados, nenhuma avaliação de que vão bem. O que parece que estamos ouvindo, dos Estados Unidos à Europa e à Rússia, é um pedido de providências imediatas, mesmo que sejam ruins.
O que se poderia esperar dos entrevistados à direita e de baixa politização ao ser confrontados com a pergunta de se “Bolsonaro deve renunciar”? Trocá-lo por quem? Quando? Agora, imediatamente, em plena epidemia? Não surpreende que digam “não”.
A hora de Bolsonaro e de gente dessa geração de lastimáveis lideranças internacionais vai chegar. Na velocidade em que a pandemia se espalha, não demora. Seus efeitos sociais e econômicos são gravíssimos, tanto maiores quanto piores as lideranças nacionais. Bolsonaro não escapa, quando fizermos o balanço do que aconteceu entre nós. De tanta estupidez, a cara da epidemia no Brasil passou a ser a dele. Agora, então, que bate no peito e diz ”Quem manda sou eu!”, mais ainda.
Fez sua aposta. Se, na hipótese menos provável, der certo, ganha ele. Se não, perde ele e perdemos todos (o que, para ele, é irrelevante).
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Fonte: https://www.brasil247.com