É hora de o país, por meio de suas representações sociais – instituições públicas e privadas, mercado e mídia, em geral -, priorizar em seus atos e ações as pautas de real interesse nacional e romper com a armadilha diversionista do presidente Jair Bolsonaro.
Embora remeta a uma citação de shakespeareana, em contraste com o desprezo cultural do governo, a loucura de Bolsonaro tem método.
Os tanques na rua foram o ápice de uma sucessão de atos diversionistas que, por mais simplórios, alcançam seu objetivo, à falta de um contraponto político consistente que liberte o eleitor das reprises eleitorais.
O país registra saldo macabro de mortes por Covid, fruto da negligência federal, a inflação supera a meta e se aproxima dos dois dígitos, as ações em defesa de empresas e pessoas físicas surgem tardias, não se sabe o dia de amanhã das famílias.
Apesar dessa síntese, que evita os números e cenários mais dramáticos, o país joga no campo do presidente, que conduz o roteiro de sua conveniência nos fóruns de importância, nos veículos de comunicação, nas redes sociais -e pasme – no Legislativo e Judiciário.
O noticiário e a Oposição parecem ter se adequado à superficialidade e descompromisso das redes sociais, minimizando a alta de preços (1% este mês, a maior desde 2002), inflação acima da meta, em 5,25%, a crise hídrica que responde pela alta de 8% da energia elétrica, com ameaça de apagão, e um governo sem rumo.
Essa tragédia subestimada favorece um presidente que, de esperto, já programa o próximo “erro”.
O Legislativo se orienta pela pauta de compromissos do Centrão com o governo e abdica de sua autonomia, como já o faz há anos ao terceirizar poder político com sucessivos recursos ao Judiciário. Este, por sua vez, atua no limite de seu papel reativo. Nele, impôs objetivamente a Bolsonaro quatro inquéritos na última semana um dos quais pode torna-lo inelegível.
Se ao Congresso é devido reconhecer que a Lava Jato, sem prejuízo dos benefícios que produziu, patrocinou desnecessariamente a desmoralização da política, é fato que foi aberto o espaço para a sua requalificação. Mas isso não parece prioridade dos parlamentares.
O roteiro de Bolsonaro se alimenta da irritação e perplexidade provocadas por suas aparentes insanidades – ora no puxadinho do Alvorada, de zero importância, ora nos balões de ensaio que testam o grau de tolerância geral – e nas passeatas, cuja popularização ganha impulso nas denominações que ganham das próprias vítimas, como a mais recente – a motociata.
Dê-se de barato que a tolerância é elástica. Ela já estimula a natureza insultuosa do presidente da República, passando do deboche ao insulto, convicto do efeito anestésico de sua estratégia, que aprisiona o debate político no passado e o de costumes no presente das mentes mais vulneráveis.
João Bosco Rabello escreve no Capital Político. Ele é jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974.
Fonte: https://www.metropoles.com