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Um grau a menos: as florestas e o nosso futuro

Um grau a menos: as florestas e o nosso futuro

Um grau centígrado. Esta seria, desde já, a elevação da temperatura do planeta, se todas as florestas situadas na zona equatorial deixassem de existir. A conclusão acaba de ser publicada na revista Frontiers in Forests and Global Change por um grupo de pesquisadores liderado pela professora de Ciências Ambientais Deborah Lawrence, da Universidade de Virginia.

Doutora pelo Departamento de Botânica da Universidade de Duke, Deborah passou os últimos vinte e cinco anos fazendo pesquisa de campo em países como Indonésia, Costa Rica e México.

Em sua recente publicação, ela argumenta que as florestas equatoriais – como a Amazônia – fazem mais do que guardar carbono. Por uma série de efeitos biofísicos, como a retirada de líquido do solo e a sua liberação pelas folhas como vapor, agem como condicionadores de ar.

“As florestas tropicais estão fazendo mais do que pensávamos para nos manter frescos, para manter as pessoas seguras, para manter nossos sistemas agrícolas produtivos e para manter as nossas cidades habitáveis”, disse Deborah Lawrence à publicação EcoWatch, dos Estados Unidos.

A publicação da pesquisa ocorre em um “momento perigoso para as florestas tropicais”, destaca a EcoWatch, em que o desmatamento da Amazônia é o mais alto em 15 anos.

O texto chega ainda à comunidade científica de todo o planeta seis meses antes de eleições cujos resultados dirão muito a respeito do futuro da floresta, por tudo que se constatou na região ao longo dos três anos e três meses do governo de Jair Bolsonaro.

Políticos, naturalmente, não são cientistas. E a recente publicação norte-americana pode ter duas leituras políticas bem diferentes.

A primeira, típica do grupo atualmente no poder, a verá como mais uma ameaça à soberania brasileira sobre a Amazônia. A reação, igualmente típica, será a de fortalecer o discurso patriótico e estimular novas medidas de ocupação econômica, como a liberação de garimpos na floresta.

A segunda leitura, que ainda tem representantes dispersos no mundo político, é menos reativa. Se as florestas tropicais nos ajudam a manter a temperatura saudável do planeta, temos motivos não só para mantê-las de pé, como também de ampliá-las e torná-las rentáveis para as populações que vivem perto delas.

Embora de importância cada vez maior na agenda global, o tema da mudança climática ainda não contagiou o meio político brasileiro. No entanto, começa a se aproximar dele por iniciativa de grupos sociais que identificam oportunidades onde outros veem apenas ameaças.

Outras ameaças já estão no radar dos articuladores das principais candidaturas à Presidência da República. Guerra na Ucrânia, incertezas geopolíticas, pressões inflacionárias, crise em cadeias globais de fornecimento, pandemia. O cenário global do momento assusta.

Por isso, os candidatos interessados em adotar uma visão inovadora da atual realidade mundial fariam bem se, durante a campanha, se aproximassem de grupos que começam a elaborar cenários nos quais o Brasil surge como potência verde.

Até aqui o discurso mais comum no meio político envolve reações a problemas reais e imediatos da crise internacional, como o aumento dos preços dos combustíveis e do trigo, ou a ameaça de desabastecimento de fertilizantes russos para o agronegócio.

Esses problemas, de fato, não vão embora tão cedo. Por isso mesmo, exigem do Brasil um tipo de planejamento estratégico que saiu de moda há muitos anos.

Mesmo assim, já partem de meios científicos e empresariais propostas que ajudariam o país, ao mesmo tempo, a descarbonizar a economia e a se tornar menos dependente do exterior.

É o caso do hidrogênio verde, produzido por meio de energias renováveis, que pode vir a se tornar produto de exportação. Novas tecnologias biológicas desenvolvidas pela Embrapa e por empresas privadas, por outro lado, são capazes de reduzir a necessidade de fertilizantes importados.

A exploração sustentável dos ativos biológicos das próprias florestas tropicais, que segundo o estudo norte-americano já evitam o aquecimento do planeta em um grau centígrado, poderia estar no centro de um novo modelo de desenvolvimento para o país.

A divulgação em abril de uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas a respeito da percepção dos brasileiros sobre o meio ambiente e a mudança climática, segundo nota publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, marcará o início da elaboração – por lideranças empresariais e acadêmicas – de uma nova agenda ambiental, econômica e social para o país.

A iniciativa será muito oportuna. Em tempos de polarizações estéreis, a sociedade civil organizada pode ajudar a tornar o debate político mais compatível com os desafios dessa estranha década que está apenas começando.


Marcos Magalhães, cineasta

Fonte: https://www.metropoles.com/blog-do-noblat

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