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São Paulo, o difícil começo da cruzada eleitoral

São Paulo, o difícil começo da cruzada eleitoral

A rejeição da transferência do domicílio eleitoral do ex-juiz Sergio Moro do Paraná para São Paulo joga luz sobre a relevância estratégica do Estado como palco político nas eleições de outubro.

Basta verificar que o ex-magistrado, nascido em Maringá, teria uma eleição sem sobressaltos em seu Estado de origem, mas estimulado por aliados do União Brasil, cobiçou estrear nas urnas logo pela unidade mais rica e relevante da Federação.

O mesmo questionamento assombra a pré-candidatura ao Palácio dos Bandeirantes do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), principal palanque do presidente Jair Bolsonaro na empreitada pela reeleição. Ele transferiu o domicílio do Rio de Janeiro para São Paulo. Um processo já foi arquivado pela Justiça Eleitoral, mas nova contestação pode surgir no momento do registro da candidatura.

A história atesta a rejeição dos paulistas a líderes vindos de outros Estados. Às vésperas da Revolução Constitucionalista, em abril de 1931, insurgentes contra a ditadura de Getúlio Vargas publicaram um manifesto nos jornais paulistanos contra o interventor nomeado pelo caudilho: “Estamos entregues a um governo de forasteiros.”

 “Qual a humilhação, a grave ofensa que se está fazendo a São Paulo? Só porque seu atual interventor não é paulista?”, rebateu Getúlio. O interventor João Alberto, egresso do movimento tenentista, seria deposto três meses depois, mas não pacificou o antigetulismo. A Revolução Constitucionalista eclodiu em 9 de julho de 1932, culminou na Assembleia Constituinte e na Carta de 1934 e marca a data cívica mais importante do Estado.

Olhando para trás, é simbólico que a aliança que hoje reúne PSDB e MDB em torno da pré-candidatura à Presidência da senadora Simone Tebet reproduza a união de Estados que se sublevou contra Getúlio em 1932: São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.

O casamento mira, sobretudo, a construção de dois palanques robustos que podem dar sobrevida ao PSDB: São Paulo e Rio Grande do Sul. O partido amarga a frustração de não lançar candidato a presidente da República desde a sua fundação.

A aliança foi costurada, principalmente, pelo presidente do MDB, deputado paulista Baleia Rossi, e pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), além do dirigente tucano Bruno Araújo, que é pernambucano.

O MDB deve ocupar a vaga de vice na chapa de Garcia. O nome mais cotado é o de um ex-tucano histórico, o ex-secretário municipal de saúde Edson Aparecido. Ele foi recém-filiado ao MDB, em uma articulação que envolveu o prefeito da capital, o emedebista Ricardo Nunes.

O outro arranjo implica reconduzir Eduardo Leite para o governo do Rio Grande do Sul, tendo o MDB na vaga de vice. Com feridas ainda abertas do pleito de 2018, quando Leite impediu a reeleição do emedebista José Ivo Sartori, o MDB gaúcho resiste a retirar a pré-candidatura do deputado estadual Gabriel Souza.

Mas a expectativa dos caciques nacionais é que o pragmatismo se imponha, a aliança se consagre e o Palácio Piratini garanta a vitrine para o projeto presidencial de Leite em 2026.

O primeiro passo para isso foi consolidado ontem, quando Eduardo Leite oficializou a pré-candidatura ao Piratini. O gesto era reivindicado por lideranças gaúchas como o ex-governador Germano Rigotto, que é coordenador do programa de governo de Tebet.

O casamento entre PSDB e MDB é mais um exemplo de como as principais alianças que envolvem a sucessão presidencial têm como pano de fundo o jogo político em São Paulo.

As articulações para transformar o ex-governador tucano Geraldo Alckmin em vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva remontam a jantares, em julho de 2021, que reuniram a dupla, além do ex-prefeito Fernando Haddad, na casa do ex-deputado federal Gabriel Chalita. Havia o simbolismo democrático de uma chapa reunindo dois ex-adversários, mas o apelo principal era retirar Alckmin, que até então liderava as pesquisas, da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

Em outra frente, a filiação de Tarcísio de Freitas ao Republicanos teve como pano de fundo a sucessão presidencial. No fim de fevereiro, o presidente da sigla, deputado federal Marcos Pereira, havia dado sinais de insatisfação com Bolsonaro, por causa da interferência do PL nas articulações do Republicanos para ampliar a bancada federal na janela partidária.

Cerca de um mês depois, o Republicanos filiou Tarcísio, num movimento que, pela competitividade do postulante, pode dar ao partido o governo paulista. Em contrapartida, o Republicanos deverá integrar a coligação nacional pela reeleição de Bolsonaro, ao lado de PL, PP e PTB.

Com o maior colégio eleitoral do país, São Paulo representa o “difícil começo” da cruzada eleitoral dos presidenciáveis rumo ao Palácio do Planalto. “É o avesso do avesso do avesso do avesso”, cantou Caetano Veloso.

Mas o sucesso da candidatura presidencial também passa pelo arranjo em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral.

Ontem o comando da campanha lulista comemorou a adesão do União Brasil à pré-candidatura de Alexandre Kalil (PSD) ao governo mineiro. O acordo leva para o palanque de Lula no Estado as forças políticas (98 prefeitos), os recursos e o tempo de propaganda do partido com o maior fundo eleitoral e o maior tempo de propaganda eleitoral. O acordo se viabilizou depois que o deputado Bilac Pinto foi descartado para compor a chapa do governador Romeu Zema (Novo), que busca a reeleição, e foi costurado na semana passada em Brasília pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em outra frente, o PSD do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, também busca aproximação com o PT. O diálogo em curso contempla o pré-candidato ao governo Felipe Santa Cruz (PSD) na vaga de senador na chapa encabeçada pelo deputado Marcelo Freixo (PSB). O vice seria o deputado estadual André Ceciliano, do PT.


Andrea Jubé, jornalista

Fonte: https://valor.globo.com

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