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Precisamos falar da reforma política

Precisamos falar da reforma política

Um debate que, com frequência, opõe economistas e cientistas políticos é quanto ao timing da reforma política. Em função da urgência em corrigir falhas na ação estatal que comprometem o crescimento do país, os economistas privilegiam as reformas econômicas.

Os defensores da priorização na reforma política — um expoente é Bolívar Lamounier —acreditam que ela é pré-condição para a celeridade e amplitude das reformas estruturais, de modo a tirar o país da armadilha do baixo crescimento.

De fato, apesar das importantes reformas aprovadas, temos sido insuficientemente ambiciosos diante do quadro de rápido envelhecimento da população, emigração de talentos e desalento dos jovens; em um contexto de avanço das tecnologias digitais.

As perspectivas para o desenvolvimento do capital humano, ingrediente-chave para o sucesso das nações, andam de mal a pior. O quadro demanda ações na educação e, também, para o bem-estar social (saúde, segurança, mobilidade) e para a liberdade de empreender e prosperar, com igualdade de oportunidades.

É emblemático o atraso de décadas para a aprovação da Reforma da Previdência e para o avanço na tramitação da Reforma Tributária do IVA. Foi necessário atingir um quadro de extrema gravidade para se chegar a algum consenso na política quanto à urgência das mudanças. Quanto ao seu escopo, foi necessário ceder à pressão de grupos organizados.

Vale citar, por exemplo, as concessões a militares e a não inclusão dos entes subnacionais na Reforma da Previdência, poupando professores e policiais, os grupos mais numerosos nas administrações estaduais.

Na Tributária, a Câmara favoreceu particularmente a agropecuária e as igrejas. A ver a reação do Senado às novas demandas, como a de profissionais liberais, inclusive pela OAB.

As instituições políticas importam, algo compreendido tardiamente pelos economistas. A tradução dos anseios da sociedade em uma ação estatal eficiente e justa passa por instituições bem desenhadas, inclusivas, que promovam a concorrência na política, afastem a concentração de poder e imponham limites aos atores políticos.

No Brasil, as regras do jogo não são amigáveis para reformas que visam ao bem comum. De um lado, preservam privilégios de uns poucos em detrimento dos demais e, de outro, estimulam o populismo.

Destaca-se a elevada fragmentação partidária — em que pese a redução do número de partidos desde a reforma de 2017 —, que dificulta a governabilidade do presidente e a construção de consensos.

Há ainda outros fatores que limitam a representatividade dos vários segmentos da sociedade no Congresso.

As regras eleitorais produzem muitas lideranças cuja orientação é particularista, representando corporações e grupos temáticos. O quadro é agravado pelo crescimento das bancadas temáticas — as mais conhecidas são do agro, evangélica e da segurança —, que visam a interesses particulares, muitas vezes bloqueando iniciativas para o bem comum.

Há também a desproporcionalidade das bancadas estaduais em relação à população dos respectivos estados, agravada pelas dinâmicas demográficas nas últimas décadas, como apontado pelo Censo de 2022.

Assim, dependemos em demasia de lideranças políticas capazes — como discutido por Carlos Pereira e Marcus Melo —, que compreendam as demandas da sociedade, identifiquem janelas de oportunidade para avançar e exerçam liderança para construir consensos e enfrentar grupos organizados que operam para manter o status quo.

Isso significa depender da sorte; de surgirem políticos com essa capacidade e que consigam ser competitivos eleitoralmente.

Como se não bastasse, o sistema político custa caro. Odilon Câmara, Luciano de Castro e Sebastião Oliveira apontam que, num grupo de 33 países pesquisados, o Brasil destoa: no número (efetivo) de partidos, no tamanho do orçamento do Poder Legislativo e nos recursos públicos alocados aos partidos, incluindo o financiamento de campanhas eleitorais.

Virada a página da urgente Reforma Tributária, o consenso entre economistas e cientistas políticos quanto à necessidade da reforma política poderá aumentar. O amadurecimento do debate público é o passo inicial para vencer a resistência dos congressistas, eleitos pelas regras atuais. Ao final, o crescimento de novas lideranças políticas, mais antenadas aos anseios da sociedade, poderão construir esse caminho.

Zeina Latif, economista

Fonte: https://oglobo.globo.com/

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