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O delírio de Bolsonaro de obter apoio das Forças Armadas para autogolpe

Brasília é uma cidade traumatizada com viradas de mesa com ou sem apoio militar. Nasceu sob esse signo. Com poucos meses no cargo, após uma espetacular vitória eleitoral, o então presidente Jânio Quadros, de porre ou não, renunciou ao mandato na expectativa de voltar com muito mais força por causa do veto de seus ministros militares ao vice-presidente João Goulart (na época em visita à China, sempre ela, né). Deu ruim porque o Congresso não embarcou nessa farsa e sequer esperou algum arrependimento durante a ressaca presidencial. Mas nem sempre foi assim.

Em 1964, o general Assis Brasil, chefe da Casa Militar, gabava-se de ter montado um dispositivo militar que blindava o presidente João Goulart de golpes de Estado. Ambos caíram em um movimento que produziu a mais longa e, quatro anos depois, a mais sanguinária ditadura no País. Em novembro de 1968, havia uma expectativa de que militares alinhados ao general Euler Bentes Monteiro, tido como nacionalista, impediriam o recrudescimento da ditadura. Também deu ruim.  Um mês depois, em 13 de dezembro, caiu o raio do AI-5, decretado pelo general Costa e Silva, que pôs o país em trevas durante longos anos.

Fiz esse longo introito porque vivi tudo isso na minha infância e adolescência antes de começar, em pleno governo do general Médici, aos 19 anos, meu exercício profissional de vida inteira no jornalismo.

Como todos democratas em Brasília e no país inteiro, também tomei um susto com a intervenção de Bolsonaro no Ministério da Defesa. A aposta generalizada em Brasília é de um strike nos comandos das Forças Armadas. O principal alvo é o general Edson Pujol, comandante do Exército, que sempre causou inveja a Bolsonaro por seu desempenho intelectual e suas atividades físicas em sua carreira militar. Pujol e os altos comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica jamais embarcaram nos devaneios de Bolsonaro sobre virada de mesa na democracia, e nem nas suas maluquices no enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus.

Em seus delírios palacianos, alimentados por sua milícia digital, Bolsonaro se sente um Hugo Chávez, com chave ideológica virada, e se diz dono do Exército. No domingo, em entrevista ao Correio Braziliense, o general quatro estrelas Paulo Sérgio, responsável pelas políticas de pessoal, recursos humanos e saúde do Exército, deu um cheque mate na política suicida de Bolsonaro. Disse que o Exército e seu entorno seguem rigorosamente todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde, contestadas por Bolsonaro e sua milícia.

Matou a cobra e mostrou o pau. Ele revelou que no Exército e em seu entorno a taxa de mortalidade pela Covid-19 é de 0,13%, muito abaixo do índice de 2,5% registrado na população do país. Com todo o respeito a cultura militar da disciplina e hierarquia, foi um dos mais bem dados tapas na cara no obscurantismo bancado pelo clã Bolsonaro. Evidente que doeu.

Bolsonaro pediu ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, a cabeça do general Paulo Sérgio. Recebeu uma negativa como a todos outros seus pedidos para a demissão do general Edson Pujol do Comando do Exército. Sentindo que em todas as frentes perde terreno, entregou a cabeça do chanceler Ernesto Araújo, atendeu ao Centrão e criou coragem para demitir o ministro da Defesa.

Soou um sinal no mínimo amarelo pelo menos para quem tem traumas com ditadura. Sou um deles. Saí em busca de informação de quem conhece os meandros das cúpulas militares. As respostas foram tranquilizadoras: minhas fontes dizem que não há o menor risco — mesmo que se confirme nessa terça-feira as previstas saídas do general Pujol, do almirante Ilques Barbosa e do brigadeiro Antonio Carlos Bermudez dos comandos militares — de qualquer aval militar a aventuras de Bolsonaro.

O próprio ministro demitido da Defesa, general Fernando Azevedo, tido também como um bom diplomata militar, tratou de acalmar os ânimos em outros poderes. Disse, por exemplo, ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, que as Forças Armadas estão fechadas com o recado que ele transmitiu ao anunciar sua demissão. “Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado. Saio com a certeza do dever cumprido”.

Tomara.

A conferir.


Andrei Meireles, jornalista

Fonte: https://osdivergentes.com.br

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