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Negacionismo oficial, adversário secular das vacinas no Brasil

Mostrar a bainha do facão. O novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), repetiu o mantra do coronel Paixão Côrtes, expressão da linha dura para manter em respeito os brizolistas nos primeiros momentos da Revolução de 1964. Ao revogar a decisão do líder antagonista, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e logo restabelecer, com a tinta de sua caneta, o diálogo com os opositores do bloco paulista (MDB, PT, PSDB e aliados), fez lembrar o antigo comandante do 3º Regimento de Artilharia 75 mm a Cavalo, de Bagé (RS). Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

O novo chefe da Câmara Baixa fez questão de demonstrar que está alinhado ao espírito da República da Espada, legado pelos antigos positivistas, seguidores do “Fundador da República” (conforme consta no Artigo 8º da Carta de 1891), Benjamin Constant (Botelho de Magalhães), o primeiro ministro da Guerra do novo regime e que, como o atual capitão Jair Bolsonaro, apesar de ser apenas um tenente-coronel, devido ao cargo mandava em generais e marechais. Então, nada de novo sob o céu do Cerrado.

O chefe daquele governo, marechal Floriano Peixoto, era alagoano como Lira e oficial de artilharia como Bolsonaro, e nunca se empossou no cargo, preferindo denominar-se “vice-presidente no exercício da presidência”. O “Marechal de Ferro” era integrante de uma vertente do Exército que, curiosamente, vista de hoje, autodenominavam-se “científicos”, quando o negacionismo atual, na questão da pandemia, tem seu epicentro no terceiro andar do Palácio do Planalto, um ninho de artilheiros.

A questão da vacina foi tema central no governo florianista, devida à oposição ferrenha dos positivistas ao uso do imunizante, que teve seu núcleo duro no governo do principal aliado do presidente, o governador (então presidente) do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, configurado no conflito do governo gaúcho com a recém-fundada Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Foi um embate ideológico e político que se prolongou até 1930, ao longo das cinco reeleições de Borges de Medeiros, e dos governos de Carlos Barbosa e Getúlio Vargas. Os médicos só conseguiram se impor no Rio Grande do Sul depois da Revolução de 30 (liderada pelos mesmos positivistas negacionistas das décadas anteriores), quando o assunto foi encerrado por lei federal.

Em Pernambuco, o governador Barbosa Lima, major do Exército, positivista, criou o Instituto Vacinogênico, que foi a base ideológica para o movimento da Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro, quando ele já era deputado federal. Foi uma guerra dos seis dias, com manifestações de rua, mas com adesão da Escola Militar da Praia Vermelha, o viveiro dos “científicos”, liderados pelo tenente-coronel Lauro Sodré e adesão de vários oficiais superiores que, aproveitando o embalo, pretendiam derrubar o presidente Rodrigues Alves para reinstalar a “Republica da Espada” de Floriano Peixoto. Fracassaram no golpe, mas a vacinação voluntária baixou de mais de 20 mil doses diárias para pouco mais de um milhar. A população fugia da pena da vacina antivariólica. Para se repetir hoje em dia, só falta o tiroteio.

Nem mesmo o jacaré da pandemia é novidade. Ainda no século XVIII, os negacionistas usavam argumentos de um médico inglês para dizer que as vacinas poderiam provocar metamorfoses nos seres humanos. Ainda nos primeiros momentos da genética, quando os cientistas davam os primeiros passos nessa área, o médico Edward Jenner, em 1796, misturando os conhecimentos ainda rudimentares de genética com a nascente infectologia, que usava bovinos na sintetização de vacinas (hoje se usam equinos), disse que as pessoas imunizadas poderiam adquirir características bovinas, como chifres, cascos, chifrões e pelagem animal. Algo semelhante ao “boimate” da Veja (cruzamento de vaca com tomate), nos anos 1980, no Brasil. Esta versão vicejou no Brasil positivista, que deu agora no jacaré da Coronavac, a vacina chinesa.

Para não deixar os “científicos” do passado sozinhos no negacionismo imunológico, vale lembrar que o último presidente-artilheiro, o general Ernesto Geisel, também escondeu uma epidemia de meningite, em 1974. Embora não se envolvesse em polêmicas com a medicina, o “Timona” (de grande timoneiro) mandou sua censura calar a imprensa, sustentando que se tratava apenas de um “surto”. Quem nem “só uma gripezinha”.

Para fechar, o presidente da Câmara, Arthur Lira, terá pela frente uma nova lei, do Senado, que obriga a Anvisa a aprovar em tempo relâmpago vacinas anticovid-19, venham de onde vierem. O líder do governo na Câmara, engenheiro-deputado Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde, pressionando o ministro-general Eduardo Pazuello, já está enquadrando os médicos.

Esta nova polêmica de leigos contra cientistas lembra como o Legislativo no Brasil gosta de fazer esses papeis. Basta lembrar a atual deputada Luiza Erundina (Psol-SP), quando prefeita de São Paulo conseguiu uma lei proibindo o uso de metanol como combustível para automóveis naquele município. Mais recentemente, Câmara e Senado, por unanimidade, aprovaram o PL 4639/16, sancionado pela então presidente da República Dilma Rousseff, com o voto dos deputados federais Jair e Eduardo Bolsonaro, criando por força de lei um remédio para curar o câncer, a fosfoetanolamina sintética, uma panaceia intitulada “pílula do câncer”.

Tal como a lei da vacina, o assunto foi parar no o STF, que acabou anulando a lei do câncer. A ver se nossos legisladores irão considerar ilegal o coronavírus. Como dizia o camponês, “depois que inventaram a máquina de debulhar milho, não duvido mais de nada”.


Pinheiro do Vale, jornalista

Fonte: https://osdivergentes.com

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