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Dual é o espelho

Eu ouvi no jornal. O noticiário dá conta de coisas: ou isso ou aquilo. Salvar vidas ou salvar a economia. Ora que pergunta estúpida mais fora de hora! Nada mais cafona do que ter medo de perder os anéis ante os dedos. Os críticos das tvs e fakenewsnão desenrolam os nós que unem as duas pontas do claro-escuro, apenas pensam, absolutos, que se trata de um assunto político, polêmico e controverso,pedaçossolenes da ciência e isso me parece absolutamente normaldepois idade da razão iluminada que espalhou pólvora para todos os continentes da Terra. É nítida e transparente como um cristal a eternaaparição - nesses casos em que se dá de cara com um muro e o mundo ao mesmo tempo -do fantasma da acumulação primitiva, da exploração racional da força de trabalho e da manutenção da pobreza encrostada nas camadas da sociedade de consumo, comandada pelo sistemaque domina o poder e o mistério do capital. Quem depende de quem no esquemático jogo dual da miséria e seu contrário? Morrer é matar o vírus que está nos matando? Alimentar o sistema é não deixar paralisar o mundo, é não cessar o trânsito das mercadorias. Os braços das fábricas não podem serimobilizados com uma camisa-de-força. 

É tolo perguntar se o caminho é a verdade da ciência, quando a verdade da ciência “quase sempre”se realiza no balanço patrimonial das grandes corporações que dominam a matriz energética do sistema. Procuro nesse meio turbulento e vesgo aqueles que se perguntam pela comida no prato dos desvalidos. Mas é o trabalho que põe o pão na mesa dos pobres? Não, não é o trabalho. O trabalho é propriedade privada e o patrão nunca serviu pão à mesa dos que lhes doamvida, vida, vida, vida em abundância até a última gota depoisda morte. A morte é o fim incondicional, não para o patrão, o patrão não morre.A economia não está estagnada no cotidiano da vida comum das periferias, com as suas valas lineares enfeitadas de fezesno vai e vem dos “praças”. Trabalho é vida e vida, vida é apenas, para o homem comum, o pilar que sustenta o topo da pirâmide erguida com o peso dos zeros infinitosà direita desde os primórdios do homem civilizado. Mercadoria, dinheiro e poder, não necessariamente nessa ordem, é o segredo que move os ponteiros do relógio do mundo. Quem consome coisas alheias?Olhe para cima e procure na vaguidão do universo ver o topo da pirâmide da acumulação da riqueza gerada no planeta. Quem consegue chegar nele? O topo é o asilo dos deuses e o homem é tão menino para penetrar nos lugares proibidos!

E o homem inventou o dinheiro e o dinheiro inventou o homem.A economia é opilar da vida civilizada, o olho mágico da doutrinado grande deus mercado. A economia é a ciência da riqueza e riqueza é valor abstrato de tudo que se consome com ganância e gula fabricadas. O que possui valor no/de mercado? 

A mercadoriae suas metáforas. O mercado conhece o que é oculto no dinheiro e sabe até mitificá-lo em drama, agonia, prazer e dor,mística do jogo e da vida esvaída da fome tísica do capital. Castelos, templose palácios são prenúncios da acumulação, simbiose de homens e coisas ou antídoto para o riso e para as lágrimas. Ciência e igreja. Ciência eestado. Ciência e mercado. Tudo isso eu vi pelos olhos nus e crespados dos códigos do manifesto e por isso deixo que a vida me compreenda com parcimônia. O sistema me enxerga como sombra, não me vê por inteira, não alcançava a poesia que insistentemente sibila em meus olhos.O vírus degusta o sabor da carne humana em abundância. Medrosa, para não ser possuída pelo medo apocalíptico da nuvem pálidado novo corona vírus que cospe e engole a morte, me tornei amiga dele, eu sei que ele está do meu lado e a qualquer momento pode derribar castelos e muros.Oh, vida-trabalho-morte, tudo cai do/no abismo, é a lei. É tudo tão dual. Eu preciso aprender a pensar para não me tomar tanto tempo de silêncio vendo o tempo passar preguiçoso pelos meus olhos nus. 


Antonia Tavares, escritora, autora de Loucas e Bruxas, Bruxas e Loucas: contos e poeminhas.

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